domingo, 10 de julho de 2016

Dominus. Tom Fox. «Tinha de confirmar umas fontes, disse ele finalmente, arrancando uma desculpa que soasse a plausível. Era bom nisso, resultado de anos de treino. E havia sempre muitas à escolha»

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«(…) Chegaste atrasado na semana passada. Por falar em coisas que trazem pouco conforto ou tranquilidade. A voz irritante de chihuahua do editor de Alexander quebrou a serenidade do momento. Manteve o fumo nos pulmões mais tempo do que o costume, na esperança de que quando exalasse, o homem se evaporasse com ele. Mas a sorte não estava com Alexander Trecchio esta manhã. Os domingos traziam bênçãos e paz a muitos, mas raramente ao pessoal do jornal que preparava a edição de segunda-feira de manhã. Sabes quais são os prazos de entrega. Estás a dez metros do meu gabinete, continuou Antonio Laterza, como um rato a latir. Alexander abriu os olhos e olhou fixamente para o homem. Laterza era de estatura mediana, bem-constituído, bem-apessoado e com todos os sinais de estar completamente obcecado com a sua aparência física. O seu cabelo castanho caía de forma cuidada na direcção do pescoço, com remoinhos fixados com spray e pontas aclaradas para garantir que as madeixas e tons de luz contrastavam tão intensamente dentro de portas como no exterior. O fato que trazia compensava uma constituição física mediana com um estilo bem acima do médio: um monumento imaculado à alta-costura, em seda castanho-clara, sublinhado com um cinto e sapatos a condizer, vestígios caros do crocodilo que foram em tempos.
Jovens de 27 anos endinheirados, ambiciosos e com assinaturas da revista GQ: se viessem embalados em vácuo e pré-fabricados, parecer-se-iam com Antonio Laterza. Não tens desculpa nenhuma, Alexander, continuou o homem polido. A sua expressão e tom eram reprovadores, como um pai a ralhar. Isto apesar do facto de ser mais de década e meia mais novo do que Trecchio. Tinha de confirmar alguns factos. É por isso que te damos sete dias. Não estás a escrever uma coluna diária, coglione. Que diabo andaste a fazer toda a semana? Alexander deu outra passa no cigarro que ia murchando e expirou o fumo ostensivamente na direcção de Laterza, ignorando o insulto italiano sobejamente utilizado. Já lhe tinham chamado coisas piores do que um par de testículos. A verdade é que Alexander não fazia ideia do que tinha andado a fazer toda a semana. A falar com um padre ao telefone? A analisar os registos financeiros de uma paróquia local? Pesquisando a cronologia do Facebook de um animador social inconsequente como um obcecado. Talvez uma destas opções. Talvez todas. Era tudo a mesma coisa e tudo tão chato.
Tinha de confirmar umas fontes, disse ele finalmente, arrancando uma desculpa que soasse a plausível. Era bom nisso, resultado de anos de treino. E havia sempre muitas à escolha. Sabes que de vez em quando é preciso. Tretas. Laterza lança-lhe um olhar furioso. Alexander sabia que não o convencia, mas também sabia que o editor excessivamente perfumado e desmedidamente ambicioso não o podia despedir. Os assuntos religiosos não eram propriamente uma secção do jornal pela qual os repórteres se digladiassem para conseguirem alguns centímetros da coluna da página 11 a que o trabalho dava direito. E Alexander tinha duas importantes vantagens: tinha feito uma história importante anos antes que provara que não era completamente inútil e era um velho amigo do dono do La Repubblica, Niccolò Marre. O seu emprego era tão seguro quanto os empregos deste sector podiam ser. Andas a ficar preguiçoso, continuou Laterza. A sua face ostentava algo que se aproximava do despeito adolescente, e Alexander questionava-se agora, como fazia com mais frequência ultimamente, se as pessoas de vinte e tal anos estavam a ficar mais novas ou se era ele que estava a ficar mais careta. Com 44 anos não era assim tão velho, mas comparado com Laterza, Alexander sentia-se pré-histórico.
Não tens ambição e o teu trabalho está saturado, bufou o Laterza. Mesmo assim publica-lo todas as semanas. Roma não é Roma sem a Igreja, e um jornal de Roma não vale nada sem umas colunas de reportagens sobre escândalos do Vaticano. Especialmente o La Repubblica. Isto soube-lhe bem. Responder com algumas alfinetadas àquela atitude rebaixante, especialmente se conseguisse fazer parecer que o homem não sabe do seu próprio mister. Desde que Eugenio Scalfari fundou o La Repubblica em 1976 que o jornal tinha reputação de ser um crítico acérrimo da Igrela Católica. Não era um jornal que fosse desistir das reportagens religiosas, por muito vistas que estivessem. Aquela história por que nos fizeste esperar na semana passada, desdenhou o Laterza por sua vez. Duas paróquias com sobre orçamentação nas suas despesas de renovação. Sobre orçamentação. Achas que isso conta minimamente como escândalo no Vaticano? Achas que os nossos leitores querem saber desses disparates?» In Tom Fox, Dominus, 2015, tradução de Ângelo Santana, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-883-913-8.

Cortesia de Topseller/20/20 Editora/JDACT