Cortesia
de wikipedia e jdact
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Utilizando os relatos de Dares e Dictis, Benoit recriou a sua própria
narrativa, ampliando episódios, introduzindo dados de outros autores ou da sua
própria imaginação. Neste sentido, Ramón Lorenzo assinala como o autor medieval
se detém nos amores de Jasão e Medeia, prolonga o relato do juízo de Páris,
muda o texto de Dares na embaixada de Ulisses e Diomedes a Tróia, os bastardos
ganham particular relevância na narrativa, enquanto introduz novos nomes,
insere os episódios do Sagitário, o da prisão de Toas e o da posterior troca de
prisioneiros com Antenor, a referência a Narciso e o amor de Troilo e Briseide.
As aventuras finais de Ulisses encontram-se mais desenvolvidas do que na obra
de Dictis, entre outras modificações e acrescentos, algumas por erro de
interpretação das fontes. Por outro lado, é introduzida uma exposição
geográfica do Oriente, a partir da Cosmographia de Aethicus, com que se
inicia o episódio das amazonas, assim como o relato dos costumes destas. Por
fim, dois aspectos ganham particular revelo na obra de Benoit. Neste sentido,
regista-se as descrições das batalhas, que surgem ampliadas e descritas ao
gosto medieval, com a introdução das justas entre os heróis gregos e troianos,
detendo-se, o autor nos preparativos da guerra, nas descrições das armas,
armaduras e cavalos, nos instrumentos sonoros utilizados antes e durante os
combates e no número de guerreiros chefiados pelos líderes gregos e troianos,
enquanto as donas e donzelas assistem, nos muros da cidade, às façanhas dos
heróis. No entanto, é com a inclusão dos motivos do amor cortês que se destaca
a originalidade da obra, introduzindo Benoit, episódios inéditos a Dares e
Dictis, ou por estes apenas aludidos. Surgem assim, com particular realce as
descrições dos amores de Jasão e Medeia, do desespero de Andrómaca por Heitor
ignorar o sonho profético da esposa, o desenvolvimento da narrativa da paixão
entre Páris e Helena, o amor de Pentesileia por Heitor e o de Aquiles por
Políxena que se encontra na origem do destino trágico do herói. Por fim, um dos
momentos culminantes da obra regista-se no relato das vicissitudes das paixões
de Troilo e Diomedes por Briseide. Neste sentido, proponho-me analisar a
evolução da narrativa do triângulo amoroso formado pelas três personagens como
forma de abordar as temáticas da consciência histórica do passado dos autores
medievais e a representação dos tempos troianos na Crónica, uma vez que,
como veremos, nela se encontram presentes os elementos atrás assinalados da
reconstrução medieval da Antiguidade.
A Narrativa de Troilo, Diomedes e Briseide.
As Personagens
A
primeira referência aos protagonistas na narrativa surge quando Troilo, durante
o conselho promovido pelo pai, o rei Príamo, no qual se discute a vingança da
primeira destruição de Tróia e do rapto da irmã do monarca, toma o partido pelo
ataque punitivo aos gregos por uma hoste liderada por Páris. Quanto a Diomedes,
ele surge na narrativa quando se mencionam os chefes gregos que se reuniram, a
pedido de Agamémnon e Menelau, para preparar o ataque a Tróia, sendo
caracterizado como o ardido. Seguidamente, de forma mais particularizada, ambos
são novamente mencionados quando se descrevem as principais personagens gregas
e troianas. Carlos Garcia Gual afirma que, neste relato, Benoit encontrou na
obra de Dares um excelente campo para praticar a arte da descriptio e da
amplificatio, em voga na retórica medieval. Assim, Diomedes é
apresentado como valente, orgulhoso e ardido. Da descrição física, realça-se o
rosto que, segundo o narrador, era bravo e felon, afirmando-se como era difícil
a convivência com o herói grego, nomeadamente para os que o serviam. A Troilo,
o narrador dedica-lhe maior atenção, descrevendo-o de forma pormenorizada.
Neste sentido, acentua o seu aspecto alegre e gracioso, ao qual se acrescentam
os modos corteses, como a particularidade de sempre se vestir bem, o corpo bem
proporcionado, os olhos verdes caracterizados como irradiando amor e o seu
gosto pela convivência com as damas. Realça, ainda, a sua capacidade guerreira,
apenas superada pela do irmão Heitor, e caracterizada pela forma cortês com que
realizava e procurava as proezas em combate, surgindo assinalado o contraste de
comportamento entre os dois cavaleiros.
Assim,
ao relato breve e conciso do carácter e físico de Diomedes, sobrepõe-se o
detalhado de Troilo. Este surge segundo o modelo ideal de cavaleiro,
acrescentando o narrador, à referência das suas capacidades guerreiras, os seus
modos corteses, nomeadamente no que respeita ao cuidado posto no vestir e na
preocupação de agradar e conviver com as damas. Ao contrário da descrição de
Diomedes, a de Troilo afasta-se da que caracteriza os impetuosos heróis épicos,
surgindo como uma antecipação dos cavaleiros corteses arturianos, adaptando-se,
assim, a personagem ao público do romance. O carácter impulsivo e orgulhoso de
Diomedes manifesta-se, inicialmente, quando é incumbido de acompanhar Ulisses,
como embaixador dos gregos, para pedir a Príamo Helena. No episódio, Diomedes
acaba por afrontar e desafiar os cavaleiros que acompanham o monarca troiano,
contrastando a sua atitude com a que caracteriza a postura cautelosa do
companheiro. Num segundo momento surge como o herói que consegue abater o
Sagitário.
O
narrador realça, então, a condição compósita, bestial e fabulosa do ser. Se as
características físicas do Sagitário o remetem para um ser híbrido, também tal
estatuto se aplica ao seu comportamento. Na verdade, a sua acção em combate,
caracteriza-se, ora pela bestialidade da sua movimentação e pelos pavorosos
gritos com que intimida as hostes gregas, aos quais se acrescentam a espuma
semelhante a chamas que emana da boca, os ardentes e vermelhos cabelos e o bafo
que parecia queimar o ar, como se mostra capaz de entender e seguir as
instruções que lhe são dadas, utilizando habilmente o arco, cujas setas tinha
previamente envenenado. São ainda referenciadas as aves fabulosas cujas penas
utiliza nas setas. Depois de ser narrada a destruição que provocou no campo dos
gregos, o ser mitológico persegue Diomedes que, envergonhado da fuga
empreendida perante o Sagitário, que o direccionava para as hostes troianas,
decide, já ferido, enfrentá-lo acabando por o abater, assinalando-se o carácter
impetuoso e ardido do cavaleiro que lhe permitiu defrontar e vencer o fabuloso
ser. Quanto a Briseide, ela é inicialmente mencionada quando se relata o pedido
feito pelo pai, o adivinho Calcas, a Agamémnon para que Príamo permitisse que a
filha se lhe juntasse. Este consente, e o autor fala do amor que une Briseide a
Troilo, a que se segue o monólogo durante o qual a donzela, depois de
manifestar o pesar e o sofrimento por abandonar Tróia, afirma que permanecerá
fiel ao amigo. Por fim, os amantes, desesperados, juram manter o amor que os
une e expressam o pesar pela saída forçada de Briseida da cidade». In
Pedro Chambel, A representação medieval
dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto
de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.
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