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O
pulsar lento da vida
«(…)
Antes de partir até França para casar, de novo, dona Leonor sofreu os ciúmes de
pretendentes menos escrupulosos, como aquele Cristóvão Barroso muito próximo de
Carlos V. Ao ver-se rejeitado envenenou o imperador com relatos maliciosos, até
sobre encontros secretos que dizia manter a rainha viúva com João III, tudo
fazendo para a ver sair do reino de Portugal. Acabaria nas galés, em Espanha,
por se atrever a difamar uma alteza real, mormente a irmã do imperador que
servia. Ninguém jamais ousou confirmar, porém dona Leonor cansada da surda hostilidade,
achou guarida no consentimento ao que vinha propondo seu irmão. Uniu-se ao rei
galante, Francisco I de França, e calou assim as vozes que se levantavam. Mas
não sem antes fazer assentar a condição do futuro enteado desposar a infanta, logo
que ela atingisse idade conveniente. Nunca foram reveladas as razões que
fizeram anular o trato. Nem Sua Senhoria demonstrou agastamento por vê-lo
desconcertado, mormente quando o destino lhe mostrava a sorte que teria,
casando-se com ele: o príncipe morria aos dezanove anos, era ela uma menina de quinze.
Mais tarde, quando chegava a Lisboa o representante da corte francesa para
teimar na pretensão de a ver casada, agora com o duque de Orléans, emissários
de seu tio sugeriam o arquiduque Maximiliano da Alemanha, ganhando tempo para
se anularem, entretanto, acordos com a coroa de França. Ainda que agora ligados
por laços de parentesco, o imperador e Francisco I não conseguiam apagar velhos
ressentimentos e o produto essas desavenças acabava por reter a Infanta, mais a
sua fortuna, no exaurido reino de Portugal.
Nem
só por desavenças se desfizeram contratos, também por interesses mesquinhos.
Filipe II de Espanha, seu primo agora viúvo e filho do imperador, chegou a
concertar com ela uma união pela segunda vez, mas quando tudo já estava
preparado entravam por Lisboa, um dia antes, enviados do país vizinho que
traziam a real disposição para desfazer-se o que antes se negociara. Nenhuma
satisfação, apenas anulação do contrato... Sabia-se depois que, em Inglaterra,
morria o filho jovem de Henrique VIII e Maria Tudor, irmã mais velha, herdava a
coroa, tornando-se um partido mais conveniente que a noiva de Portugal... Um
pouco mais de esforço diplomático teria sustentado as negociações, se houvesse vontade
política. Tudo ia correndo a seu fim. Este último malogro excedia na Infanta a
conta da tolerância. Impossível esquecer a juventude sacrificada sem nunca lograr
o trunfo que anulasse o jogo político e lhe mudasse o destino. Quando Filipe,
de novo viúvo, investia terceira vez, já ela aborrecera a ideia de casar. Nem
as altas embaixadas da mãe a faziam demover.
Juan
Mendoza foi o último diplomata a chegar. Trazia acusações de dona Leonor a João
III por tão pouco atender ao infortúnio da irmã mais nova, merecedora de um
partido à sua altura. Se tardava tanto El Rei em valer-lhe, seria por muito lhe
aproveitar a demora... Inconsolável com a sorte da filha, mal conseguia
conciliar as várias fidelidades, os afectos. Nem queria renunciar a ela nem
contrariar o irmão ou mesmo João III. Bem sabia que as empresas de além-mar, os
casamentos de princesas portuguesas com nobres europeus, políticas erradas e
muita corrupção, vinham esvaziando os cofres de estado, emagrecendo mais o dote
da Infanta. Não a surpreendiam, por isso, os malogros dos contratos de
casamento, só lamentava profundamente não poder o que tanto queria, estancar a
perfídia que se abatia sobre a moradia da filha, os procedimentos impunes:
correio interceptado, informação contraditória, intencionais urdiduras...
Ganhou
algum conforto ao abraçá-la na linha de fronteira, perto de Badajoz, mais de
trinta anos depois de se terem apartado. Sua Senhoria já então achava maior
contentamento na sua academia, e em seu entendimento era tarde de mais para deixar
o reino. Defenderam-se da penosa e longa separação com o abraço comovido, antes
dos olhos nos olhos. Mas a estada de vinte dias, breve como um ai, não logrou
sarar feridas nem reparar a cor sépia da ausência. Pouco havia a fazer para mudar
o pensamento de uma nobre drama com mais de sete lustros de vida e que, apesar
de tanto se ter querido libertar, preferia cumprir a promessa de regressar à
pátria. tolhida por uma obediência calcinada pelo hábito e pelas circunstâncias». In
Maria Helena Ventura, A Musa de Camões, Saída de Emergência, 2006, ISBN
978-972-883-940-6.
Cortesia
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