Cortesia
de wikipedia e jdact
«Política,
mesmo sendo uma desgraça, é necessária para manter a liberdade. Eis a característica
inovadora de Maquiavel e a razão de seu interesse permanente. Esta é a mensagem
maior das suas obras ditas menores aqui reunidas como conjunto pela primeira
vez em português. Murderous Machiavelli, dizia Shakespeare. Política diabólica.
Ética feroz. Ler Maquiavel assusta. Mas não culpe o mensageiro pela mensagem.
Para manter a liberdade, todos os cidadãos e todos os Estados enfrentam os dilemas
de decisão política e as realidades da gestão pública. Neste sentido é uma grande
satisfação lançar Política e Gestão Florentina. Como os novos perfis políticos
e diplomáticos ainda estão indefinidos, nosso propósito de publicar estes
trabalhos de Maquiavel não é promover respostas ou apresentar propostas. Ao
contrário, acreditamos como já citado no primeiro número de clássicos em
Ciências Sociais na Administração de Max Weber, que uma leitura dos clássicos
sempre se justifica, não porque oferece respostas, mas porque sua leitura sugere,
novamente e sempre, perguntas novas a serem colocadas. Assim, ler os textos de
Maquiavel reunidos neste volume é de especial importância neste momento de reavaliação
do papel do Brasil na política internacional.
Para
Maquiavel, a acção política numa república pode se afastar do sentido antigo de
virtude por causa das situações e das necessidades. Mas, do facto de que, em condições
adversas, estes comportamentos são justificados, não se deve inferir demais. Se
tomarmos o título que John Rawls usou para responder a seus críticos; é a
política, não a metafísica, podemos também qualificar a virtude política. O dever
da gestão e da decisão política é de manter a liberdade dos cidadãos no Estado
(de preferência republicano) no meio de um fluxo de realidades que, em geral,
são alheios ao controle e aos códigos morais simples. Assim, adoptando os
conceitos de Maquiavel, a actuação política visa domar a fortuna e assim
assegurar glória e fama. Longe de heroísmo, o tom de Maquiavel é
de cepticismo e cautela. Por exemplo, os dois últimos textos são observações
sobre a reforma e a gestão dos muros de Florença. Maquiavel sobriamente
calcula, em vão, como conter a tomada militar da sua cidade, desta vez não
pelas tropas do papa e das forças da reacção monárquica, como em 1512, mas
agora perante mais uma conjuntura terrível iminente; o saque de Roma em 1527 por
forças germânicas e espanholas. Então, antes de fechar um triângulo analítico
entre os conceitos de fortuna, glória e fama para deixar o humanismo e a ética
fora, falta lembrar a frase que serve de nossa epígrafe. Esta frase é a
primeira no discurso proferido por Maquiavel ao Magistrado dos Dez sobre a
situação de Pisa já como secretário da chancelaria do Estado florentino em
1499. Se quisermos manter a liberdade. Eis o pressuposto maior do
arcabouço analítico de Maquiavel. O cepticismo e o pessimismo de Maquiavel não
são posições metafísicas, mas resultado de seu serviço público enquanto
assistia factos históricos como o fim da liberdade da sua cidade, a sua ocupação
militar, e os abusos mais terríveis de mercenários bárbaros e tropas da Espanha
sobre os seus conterrâneos.
Em
1494, aos vinte e cinco anos de idade, Maquiavel entrou no serviço público
florentino enquanto caiam do poder os Médici. Em 1498, o ano que ocorrera a
execução de Girolamo Savonarola na praça principal de Florença, Maquiavel
chegou à segunda chancelaria da cidade para servir como secretário do Comité
dos Dez, responsável pela defesa militar. Em 1505-6 é responsável pelo
alistamento militar e tenta implementar uma alternativa à contratação de
mercenários (aversão já adquirida durante sua missão e observação da desordem causada
pelas tropas suíças e Guascones usadas por Florença para reprimir revoltas em Pisa
em 1500). Ainda ao serviço da sua cidade, participa de missões diplomáticas na França,
no Vaticano e na Alemanha. Depois da retirada da França da Itália em 1512 e de cair
Gonfaloniero Piero Soderini, Lorenzo de Médici e um Comitê de 70 acabam com o governo
republicano e despedem Maquiavel. Assim, ao contrário das preocupações em debates
que perduram até hoje sobre a composição, o propósito e o conteúdo do Príncipe,
os textos de Maquiavel registam seu serviço ao governo republicano florentino.
Política
e Gestão Florentina,
obra inédita em língua portuguesa, compõe as chaves de entrada ao
pensamento político maquiaveliano. São, basicamente, os relatórios escritos ao
tempo que Maquiavel trabalhou como Segundo Secretário da República de Florença,
entre 1499 e 1512. Trata-se de relatórios de participações em legazioni e
comissarie políticas junto aos mais destacados actores políticos da
época, combinados à fina observação do desenrolar da acção encarnada pelo papa
Alexandre VI, rei Francisco I, de França, imperador Maximiliano I, do Sacro
Império, papa Júlio II, César Bórgia, modelo de príncipe a pendular entre
fortuna e virtù, anterior ao último modelo, Castruccio Castracani,
pleníssimo de virtù, e outros menores. A observação atrela-se à análise
política desde os factos da política, como a prenunciar o dito fundante de seu futuro
livrinho, como carinhosamente Maquiavel referia-se ao Il Principe¸
em carta ao amigo e confidente Francesco Vettori, Secretário papal, datada 10
de Dezembro de 1510, la verità efetualle delle cose». In
Maquiavel, Política e Gestão Florentina,Série Ciências Sociais na
Administração, Fundação Getulio Vargas, EAESP, tradução Renato Ambrosio, Wikipedia,
2010.