terça-feira, 26 de julho de 2016

Rainha da Loucura. A. Borges. «A 17 de Agosto de 1447 , depois de terem recebido dispensa do papa Eugénio IV dos laços de consanguinidade que ainda os ligavam, Juan II de Castilla, de 42 anos, e Isabel de Portugal, de 19…»

jdact

«(…) Relegado para segundo plano e, em boa parte, por vontade própria, ou falta dela, Juan II pensaria por esta altura ter cumprido a sua parte no que dizia respeito a garantir a continuidade da dinastia de Trastâmara no trono. Tinha casado, em 1420, com dona Maria de Aragão, filha do seu tio Fernando, e haviam tido quatro filhos. As três meninas morreram ainda crianças, mas o filho varão, Henrique, estava vivo e de boa saúde. Naquele ano de 45, porém, a pacata vida familiar do rei foi subitamente abalada pela inesperada morte da mulher. Juan ficava ainda um pouco mais sozinho no mundo, mas, apesar de tudo, tinha a descendência assegurada, não havia razão para voltar a casar.
Contudo, Álvaro Luna, como sempre, via mais longe... Era uma tragédia aquilo que acontecera a dona Maria, senhora tão ilustre, uma tragédia..., mas podia ser transformada numa oportunidade... Castela estava precisada de aliados. Era urgente deixar Aragão isolada no mapa político da Península. E Portugal estava mesmo ali ao lado, ainda por cima, tínhamos ainda há pouco assinado com eles o tratado de paz que punha uma pedra sobre aquele velho assunto das guerras de Aljubarrota e afins. Que melhor forma de celebrar esta nova amizade do que casar o rei de Castela com uma infanta portuguesa, ainda para mais, bisneta do nosso antigo inimigo de guerra, Nuno Álvares Pereira?
O tempo ia passando e Juan não se decidia; protelava. Até que Álvaro Luna lhe abriu os olhos: já ia para sete anos que o filho Henrique estava casado com Branca de Aragão, onde estavam os filhos? Já começava por aí a circular..., enfim, vossa majestade sabe como são as pessoas, mas..., quem sabe? Deus move-se por caminhos misteriosos..., comentava-se, enfim, por aqui e por ali, que talvez Henrique..., não desse conta do recado. Juan II dava-se, finalmente, por convencido. Era preciso assegurar descendência saudável ao trono de Castela e, se o filho não era capaz, trataria ele mesmo do assunto. Ia voltar a casar.
A 17 de Agosto de 1447 , depois de terem recebido dispensa do papa Eugénio IV dos laços de consanguinidade que ainda os ligavam, Juan II de Castilla, de 42 anos, e Isabel de Portugal, de 19, casavam em Madrigal. Como dote, Isabel recebeu o senhorio de algumas localidades castelhanas, como a vila de Arévalo, e entrava assim para o distinto lote de descendentes de João I de Portugal que então se distribuiu por múltiplos lugares de destaque nas casas reais da Europa, e entre os quais avultava dona Leonor, imperatriz da Alemanha. Contudo, Isabel não tinha seguido sozinha para a nova vida em Castela; com ela, levara quatro ou cinco aias, uma delas, Beatriz.
Não foi pacífica a chegada das portuguesas à corte que se dividia entre Madrigal e Tordesilhas. A jovem rainha tinha de encontrar o seu lugar num ambiente perpassado de intrigas e onde depressa percebeu que quem mandava não era o marido, mas o inseparável Álvaro Luna. Quanto à aia, desviava inadvertidamente as atenções de Isabel... Condes e duques querem desposá-la e a sua beleza começava a arriscar transformar-se em maldição... Em 1451, Isabel dá a desejada descendência a Juan, sobretudo porque Henrique e Branca continuam... ,em branco. É uma menina e recebe o mesmo nome da mãe, mas o seu nascimento traz implicações indesejadas: a rainha dá os primeiros sinais de instabilidade mental. Mergulha numa depressão profunda e recusa-se a falar com quem quer que seja, excepto o marido. Álvaro Luna, maquinador do casamento e, afinal, de tudo quanto se passava em Castela, não poderia imaginar o que se passaria depois...» In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia de CdasLetras/JDACT