terça-feira, 12 de julho de 2016

Afonso. 4º conde de Ourém. Alexandra Barradas. «O destaque e dignidade destas entradas revelam a importância e consideração que as mais diversas cortes tinham por Portugal e pelo seu embaixador, que se apresentava acompanhado de grande comitiva»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Desta viagem existe um relato, escrito por um anónimo que decerto integrou a comitiva: diário da Jornada que fez o conde de Ourem ao Concílio de Basilea. Como o Conde d´Ourem foy ao Concilio de Basilea e o que passou no caminho, e assi ao Papa (existem três transcrições deste texto: a primeira está inserida na História genealógica da casa real portuguesa de António Caetano Sousa; a segunda, no estudo de Lita Scarlati, Os homens de Alfarrobeira (1980); Diário da jornada do conde de Ourém ao concílio de Basileia (apresentação e leitura de Aida Dias), editado pela Câmara Municipal de Ourém em 2003, é a mais recente), texto curioso e muito rico em pormenores que tem como protagonista Afonso. Esta narrativa informa-nos sobre o périplo, a distância percorrida em cada jornada, os locais de pernoita, as paragens e visitas mais demoradas e faz a descrição de algumas localidades, da sua organização social, hábitos, costumes, episódios e acontecimentos. O itinerário, cujo destino era Basileia mas que o levou até Colónia, passou por 140 localidades: atravessou a Península Ibérica, com paragens de dois ou três dias, no máximo uma semana, em Ávila, Toledo, Álcalá de Henares, Valência e Tortosa. A meio de Abril, Afonso e a sua comitiva entraram em Barcelona, onde se detiveram 6 semanas, decerto à espera de ventos favoráveis e organizando os preparativos para a viagem de barco que os levaria a Livorno. A chegada àquele porto ocorreu a 18 de Junho de 1436. A viagem por Itália prosseguiu a um ritmo mais lento por Pisa, onde esteve cinco dias, Florença, onde estadeou catorze e Bolonha onde se demorou, dez semanas. A saída daquela cidade ocorreu a 10 de Outubro, rumo a Basileia. Passou por Parma, Modena, com uma estada de nove dias e Milão onde esteve quinze. A 13 de Novembro entrava na primeira localidade dos domínios do duque de Saboia, Vercelli.
Depois de atravessar os Alpes e de ter passado por Lausane, no dia 2 de Dezembro o 4º conde de Ourém chegou a Basileia, onde esteve cinco meses e onze dias. Depois de abandonar o Concílio, a viagem prosseguiu no dia 13 de Maio em direcção ao norte da Europa: entre 22 e 23 de Maio esteve em Bona e no dia 30 do mesmo mês, o relato da viagem termina em Colónia. Não conhecemos, nem a data nem o caminho de regresso. Parte da comitiva voltou a Itália para se despedir do Papa (ho conde d´Ourem, nom teendo esperança de aver affecto sua mais estada, se despedio do Concilio e com sua companhia foy visitar ho Sepulcro Santo de Jerusalem, e ho Bispo dom Antam e os outros embaixadores se tornáram em Italia, a despedir com ho papa Eugenio as cousas que em nome d´ElRey lhe tinha concedidas; (...) e os outros embaixadores se vieram para Portugal. in Crónicas de Rui de Pina, Introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, Porto, Lello e Irmão, 1977; E em esto chegou a estes regnos, por delegado do Santo Padre Eugenyo quarto, aaquele tenpo prosidente na egreja de Roma, frey Gomez, abade de Florença, (...). E considerando ElRey sobre a licença que lhe este Ifante [Fernando] tiinha pedida pera se hir a Ingraterra e como o conde d´Areolos, seu sobrinho, isso mesmo lhe pedia licença pera hir em companhia delRey de Castela aa conquista de Graada, e o Conde d´Ourem lhe pedia também licença pera se hir fora do regno, a veer tera onde se entom for[a], ..., in frei João Álvares, Obras, edição crítica com introdução de Avelino de Almeida Calado, Coimbra, 1960), em Bolonha e pensamos que daí tenha regressado a Portugal. Quanto a Afonso sabemos que pediu autorização a Duarte I para se separar dela, para ir aos lugares santos. Temos até a na Crónica do Condestável parte do roteiro desta viagem: Cairo, Damasco, Jerusalém. Assim, na península itálica ter-se-á dirigido para Veneza, de onde sabemos que embarcou em Setembro de 1437, com destino à cidade santa, como disso deu notícia uma carta de João Beleágua escrita em Bolonha em 31 de Agosto, daquele ano.
Como terá sido o regresso? Decerto pelo Mediterrâneo, em direcção à Península, rota aliás muito comum e frequentemente seguida pelas cruzadas. Pena é não sabermos este percurso. Onde estaria Afonso quando soube da morte do rei Duarte I? Tendo em conta que o monarca morreu no início de Setembro de 1438 e que passados praticamente dois meses, o conde de Ourém já estava em Portugal, fácil é depreender que deveria estar próximo da Península Ibérica, talvez no norte de África (em Ceuta?), de onde se chegava a Portugal, se os ventos o permitissem, em poucos dias (dez dias foi o tempo que demorou a viagem entre Lisboa e Ceuta da embaixada que levou dona Leonor a Itália, quando ali fez a sua primeira paragem). Esta terá sido de facto, pela extensão do percurso, pelo tempo que demorou e pelo que viu, a mais importante e interessante viagem que Afonso empreendeu. O relato do anónimo acompanhante assinalou, nas paragens mais demoradas, as visitas e contactos, que terá considerado mais interessantes e notáveis pelo que é possível depreender dos seus interesses, gostos e personalidade. Quando chegava a qualquer localidade, a comitiva era sempre recebida pelas autoridades locais com presentes, geralmente vinho e/ou comida, e em cidades de maior importância como Valência, Barcelona, Florença, Bolonha, Vercelli, Lausane, Basileia ou Estrasburgo, a descrição narra recepções que se revestiam de grande importância: eram usados os melhores fatos e a comitiva seguia em cortejo pelas principais ruas das cidades, com arautos, charamelas e trombetas. Verdadeiras entradas régias, organizadas provavelmente à semelhança do que, cinco anos antes, Afonso tinha visto na Borgonha. O destaque e dignidade destas entradas revelam a importância e consideração que as mais diversas cortes tinham por Portugal e pelo seu embaixador, que se apresentava acompanhado de grande comitiva, sinal de poder e riqueza, e cujos sinais exteriores, vestuário luxuosos, aparato, grandiosidade, eram sinónimo de requinte e singularidade». In Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista, director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.


Cortesia de RMedievalista/JDACT