segunda-feira, 25 de julho de 2016

As Três Leonores. Alexandre Borges. «Um acontecimento marcante à escala internacional mostraria, contudo, que a velha sensibilidade de Fernando I, “o Inconstante” ou “o Inconsciente”, para a política externa…»

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«(…) Uma das consequências mais imediatas dessa política foi a transformação de Lisboa. O porto da capital era ponto de partida, chegada e passagem de gente e mercadorias de toda a parte, com os proveitos comerciais daí decorrentes. No entanto, o rei Fernando I atendeu também ao desenvolvimento da educação, com a transferência da universidade para Lisboa, e da agricultura, aprovando a Lei das Sesmarias, que, entre outras disposições, fixava trabalhadores nos campos, travando o despovoamento do interior, e instituía o princípio da expropriação de terras que não fossem aproveitadas para cultivo. Um acontecimento marcante à escala internacional mostraria, contudo, que a velha sensibilidade de Fernando I, o Inconstante ou o Inconsciente, para a política externa, continuava viva e boa saúde.
Por aqueles dias, a Europa estava dividida pelo grande cisma do Ocidente: um papa em Roma e outro em Avinhão reclamavam cada um para si a autoridade sobre a Igreja cristã. Mais tarde, para complicar mais a questão, surgiria ainda outro antipapa em Pisa. O continente dividiu-se em apoios a cada um deles, de acordo com interesses próprios e alianças políticas, mas Fernando I, é claro, não soube bem de que lado se colocar. Começou, com o habitual sentido de oportunidade, por expressar o seu apoio ao antipapa de Avinhão, Clemente VII, indo assim contra a posição tomada por Inglaterra, Coroa a que permanecia ligado pela aliança assinada em Westminster. Mais tarde, esclarecido pelos Ingleses, mudaria de posição, passando a apoiar Urbano VI, de Roma. No entanto, ainda teria tempo para, no ano seguinte, abandonar esse apoio e quedar-se por uma posição qualquer pouco clara, que, em todo o caso, já não interessava a ninguém.
Como se o velho Fernando I tivesse ressuscitado do mais absoluto nada, velho é força de expressão, não tinha então mais de 35 anos, em Junho de 1381, volta a envolver-se em escaramuças com Castela, era agora rei João, ali para os lados da fronteira alentejana. À medida que o rastilho dos combates acende uma nova guerra, a terceira fernandina, encomenda a João Fernandes Andeiro a missão de conseguir o apoio britânico para esta nova contenda. Andeiro era um fidalgo galego que o tinha apoiado no tempo da primeira guerra, esperançado em tirar daí alguma promoção pessoal e que, uma vez derrotado, partira para Inglaterra. Podia ser apenas uma personagem secundária neste processo, mas não se contentaria com isso. Nas suas viagens de Londres a Lisboa, vai-se aproximando, de forma suspeita, da rainha...
A 7 de Março do ano seguinte, a armada castelhana consegue entrar no Tejo e atacar Lisboa. A estrutura defensiva nacional não é capaz de fazer mais do que assegurar a protecção do castelo, deixando o povo que, por definição política de então, vivia fora das muralhas, à mercê do invasor. Contudo, se a terceira das guerras seria a de mais graves consequências para Fernando I, a terceira das Leonores, não lhe ficaria atrás. Em primeiro lugar, mantinha aquela duvidosa amizade com o conde de Andeiro; em segundo, preparava, em segredo, uma jogada terrível... João, um dos filhos de Pedro e Inês e, portanto, meio--irmão de Fernando, que deixámos lá atrás perdido na infância e na condição de figura decorativa na trágica história de amor dos pais, tinha, entretanto, casado com a irmã de Leonor Teles, Maria, e vinha granjeando prestígio na corte. Temendo essa ascensão social do cunhado e o que ela pudesse significar na altura de redistribuir o poder, Leonor monta um ardil tenebroso... Chama João e apresenta-lhe um negócio onde ambos tinham tudo a lucrar: oferece-lhe a mão da sua filha única, dona Beatriz. Para Leonor, significava transformar um possível obstáculo num aliado; para João, algo tão simples e directo como transformá-lo, automaticamente, no herdeiro do trono.
Porém, como acima ficou dito, João era já casado e não com uma mulher qualquer, mas com a irmã da própria Leonor. Nada que apoquentasse a rainha. A proposta incluía a seguinte condição: para casar com Beatriz, João devia matar a mulher. João assim fez, a golpes de punhal, justificando o injustificável com um suposto comportamento condenável de dona Maria. Livre da irmã e com a carreira do cunhado irremediavelmente comprometida por aquele acto hediondo, Leonor roeu a corda e deu o dito por não dito: casou a infanta Beatriz com um fidalgo inglês e o miserável João fugiu para o lado de lá da fronteira». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia de CdasLetras/JDACT