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Porém, é preciso que se diga, o cumprimento da promessa parece ter sido bem
recebido entre quem de direito. Depois daquele primeiro filho, João e dona Maria
Ana teriam mais cinco. Alexandre, Pedro e Carlos faleceram na infância, mas o
infante José sucederia no trono ao pai, dona Maria Bárbara tornar-se-ia rainha
consorte de Espanha por casamento com Fernando VI; e Pedro seria Pedro III, príncipe
do Brasil, rei consorte de Portugal por casamento com a sobrinha dona Maria I. Em
1716, no entanto, João V voltaria a envolver o reino numa contenda
internacional. Venezianos, turcos e o papa estavam em guerra pela posse de Corfu.
Respondendo a um pedido de ajuda de Sua Santidade em pessoa, o rei português
envia uma poderosa esquadra comandada pelo conde do Rio Grande, que alcança uma
vitória clara no cabo de Matapão. No entanto, como todos os conflitos, também este
representava mais um assalto às finanças nacionais. João tinha-o aprendido cedo
e por experiência própria. Então, porque voltara à guerra? Porque fora o papa que
lho pedira, tocando no ponto fraco do rei absoluto: uma paixão porventura excessiva
por tudo quanto dissesse respeito à Santa Madre Igreja.
Desde
pequeno, João crescera num ambiente devoto. Poderia tê-lo sido ainda mais, se
acaso João de Brito, padre jesuíta que fora pajem e amigo de infância de Pedro II,
tivesse aceitado o convite do rei para ser preceptor do herdeiro do trono, em vez
de regressar aos confins da Índia, contra todos os pedidos dos amigos e da família,
onde acabaria degolado por pregar a fé cristã, séculos antes de ser canonizado,
e de quem ainda hoje se conservam seminários e santuários no estado do Tamil
Nadu, onde se acredita que a terra é vermelha por causa do sangue derramado por
João de Brito na hora do martírio. Duma forma ou doutra, o outro João, o rei, seria
sempre um crente fervoroso. A guerra por Corfu, o Convento de Mafra, a Capela
de São João Baptista, o escadório do Bom Jesus e os Clérigos foram apenas os destaques
duma longa lista de dispendiosas despesas em favor da Igreja. Na sequência dessa
amizade e do testemunho dela dado no Matapão, Lisboa foi elevada a patriarcado em
1717, tornando-se assim Tomás Almeida, arcebispo local, num dos três patriarcas
do Ocidente, em conjunto com os homólogos de Veneza e Roma. Lisboa dividiu-se, então,
em duas: Oriental e Ocidental, isto é, a metropolitana e a urbe patriarcal. Para
comemorar, João fez as coisas ao seu estilo: mandou remodelar e aumentar a capela
real até à bizarria, adequando-a à nova dignidade da sua condição. Enriqueceu conventos
com alfaias e pratas, fundou um novo, o do Louriçal, doando-lhe ainda 6000 cruzados.
Pagou outros 120 000 por uma imagem benzida pelo papa, mandou 1377 cruzados para
Jerusalém e criou dois bispados no Brasil. Para Roma, enviou um total de 1,38
milhões de cruzados, empregues em indulgências e processos de canonização e, na
missão que lá foi assistir a um conclave, empenharam-se mais dois milhões, entre
muitas outras doações de menor monta, dispersas por capelas e igrejas nacionais
e estrangeiras, viagens de núncios e ofertas a cardeais.
E aqui
chegamos ao centro do coração do rei magnânimo: tudo isto, toda esta loucura,
toda esta fé ardente, toda esta devoção apaixonada, teria limite? É que, para a
História não oficial, ficou-lhe outro cognome: o Freirático. E dona Maria
Ana, ao que se sabe, engravidou aquelas seis vezes de João nas poucas vezes em que
via o marido, habitualmente ausente, ocupado entre as obras do reino e os assuntos
da alcova... Naqueles dias, ficaram célebres as incursões nocturnas do rei por prostíbulos
e conventos, mas foi nestes últimos que, a pouco e pouco, se foi concentrando a
predilecção de João. No entanto, entre os múltiplos pontos do roteiro, um foi ganhando
a estima especial do monarca (a comprová-lo, existem as contas do reino: nenhum
outro convento recebeu tantas dotações reais durante aqueles 44 anos): o de
Odivelas, afinal, uma obra lançada pelo rei Dinis I e, portanto, com antecedentes
na História não oficial do amor em Portugal». In Alexandre Borges, Histórias
Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.
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