sábado, 30 de julho de 2016

Portugal é uma Ilha. Alexandre Borges. «A 19 de Junho, o povo aclama António rei de Portugal, no Castelo de Santarém. Lisboa e Setúbal seguir-lhe-ão, depois»

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«(…) A relação entre tio e sobrinho nunca deixará de se deteriorar, mesmo tendo em conta que, à frente dos problemas familiares, deveria ter sido colocado o superior interesse do reino. A 23 de Novembro de 1579, o rei-cardeal decide cortar o mal pela raiz: confisca os bens de António, expulsa-o do reino e retira-lhe a nacionalidade portuguesa. Mas era uma das últimas acções que faria em vida: a 31 de Janeiro seguinte, perdia o longo combate para a morte, deixando Portugal ainda sem o corpo de Sebastião I, sem lhe ter conseguido dar um sucessor natural e sem que tivesse a coragem de nomear um alternativo. Medos, especulações e fantasias delirantes tinham agora terreno livre para medrar. Enquanto os cinco membros da junta governativa não tomavam uma decisão quanto ao futuro do reino, apresentavam-se candidatos e faziam-se números de equilibrismo para justificar pretensas legitimidades genealógicas. Com o colapso da descendência de João III, era preciso recuar ao rei Manuel I para procurar uma via alternativa à linha natural da dinastia. Assim, encontrávamos quatro netos de o Venturoso: Catarina de Bragança, que tinha em seu desfavor ser a única mulher da lista, mas que era simultaneamente a única neta por varonia, já que era filha de um filho de Manuel, o infante Duarte; Manuel Felisberto, duque de Sabóia e filho de dona Beatriz; Filipe II, rei de Espanha e filho de dona Isabel; e António, prior do Crato, filho do infante Luís e, portanto, neto por via masculina, mas sobre quem pesava a dúvida de se poder tratar de um filho ilegítimo. Acima de todos eles, pairava ainda um fantasma: Sebastião I. Enquanto o cadáver não fosse encontrado, o rei vivia nos corações do povo, sarava as feridas e recuperava forças para surgir com um exército salvador, a qualquer momento, na linha do horizonte. Rapidamente, António e Filipe II de Espanha vão emergir como os candidatos mais fortes. As estratégias que seguem, no entanto, são opostas: o primeiro apela ao povo, o segundo, ao poder. António recupera o espírito da crise de 1383-85 (eu digo Revolução) quando, numa situação com alguns paralelos, o país se uniu em torno de um sentimento patriótico para aclamar rei João I, em detrimento de João de Castela. O povo adere à causa, apoia António e recusa entregar-se a mãos espanholas, mas do outro lado está boa parte da nobrezae do clero. Filipe II consegue seduzi-la para a ideia que já circulava de uma alegada União Ibérica, uma monarquia dual onde os reinos conservariam as respectivas soberanias, com a vantagem de assegurar a estabilidade financeira de que Portugal tão necessitado estava. O rei de Espanha beneficiava ainda de outro factor de peso: o medo de que a questão se arrastasse para um confronto militar no qual o exército português, desfeito em Alcácer Quibir, não teria qualquer hipótese. Contudo, pelo sim, pelo não, Filipe jogou ainda mais uma carta: o suborno das figuras mais influentes do reino, um argumento clássico, com provas dadas ao longo da História, um pouco por todo o mundo. Contudo, a facção patriótica não se renderia. A 19 de Junho, o povo aclama António rei de Portugal, no Castelo de Santarém. Lisboa e Setúbal seguir-lhe-ão, depois, o exemplo, um terrível atrevimento que teria a resposta de Filipe...
Poucas semanas volvidas, Fernando Alvarez Toledo Pimentel, duque de Alba, recebe do rei de Espanha a missão de tomar Portugal pela força. Fá-lo em duas frentes: por terra, com um exército numeroso e bem preparado, e por mar, com uma frota que descia ao longo da costa, desde o Norte de Espanha. Cascais, São Julião, Belém e Caparica rendem-se com facilidade; só os homens que António I conseguisse reunir lhe podiam fazer frente. Mas, com os apoios internos minados pelos subornos e ameaças de Filipe e os externos, pedidos a França e Inglaterra, a tardarem em chegar, António I não conseguiu mais do que uma pequena tropa, que aguardou o duque de Alba na margem esquerda da ribeira de Alcântara. A 25 de Agosto, a batalha foi rápida. Não terá durado mais do que meia hora, mas foi quanto bastou para semear alguns milhares de mortos dum lado e doutro da contenda. Ferido, António I consegue fugir. Estará refugiado em França quando as Cortes de Tomar, se reunirem, em Abril do ano seguinte, e aclamarem formalmente Filipe de Espanha como Filipe I, rei de Portugal». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

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