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Feira
de São Pedro. Shrewbury. Agosto de 1148
«(…)
O monge ergueu uma sobrancelha fina cor de prata. Mas posso fazer com que passe
a ter muito depressa, não duvidem, respondeu friamente. Soltem-no e sigam o
vosso caminho. O impasse foi curto. Os jovens tinham coragem mas eram apenas jovens,
não homens adultos. Quando confrontados com o carisma e autoridade da Igreja,
capitularam de má vontade e, obrigando Brunin a ajoelhar-se, afastaram-se. Ao
longe, o rapaz louro virou-se para eles. O teu fígado é meu, seu mijão!,
gritou. E voltarei para o buscar! Brunin fixou a relva poeirenta a poucos
centímetros dos olhos. Um pingo escuro de sangue escorreu do ferimento
provocado pelo punhal, desceu ao longo dos caules e infiltrou-se no solo.
Conseguia ouvir a respiração a subir-lhe no peito e rebentar junto à laringe em
soluços pesados. Pensou se estaria a morrer e desejou já estar morto. Vá lá,
miúdo. O monge inclinou-se e ajudou Brunin a erguer-se do solo. O que é que
lhes fizeste para que te atacassem assim? Nada, soluçou Brunin numa voz
entrecortada e abrindo muito os olhos. Sentia-se enjoado e as pernas
tremiam-lhe como as de um potro. Estou a ver. O tom de voz do monge era neutro.
Cuidadosamente, inclinou a cabeça de Brunin para um dos lados para poder ver a ferida
na garganta. É apenas um pequeno corte, disse, mas podia de facto ter sido
pior. Deu um estalido com a língua e disse, mais para si mesmo do que para
Brunin: todos os anos, com este negócio, a feira traz-nos estes horríveis
problemas, ainda mais desde que os homens andam à bulha para decidir quem manda
no reino. Conduziu suavemente Brunin na direcção da abadia. Anda, rapaz, vamos
arranjar uma pomada para colocar nesse arranhão e um sítio para te sentares por
uns momentos. O seu olhar era astuto. Se não és um enjeitado, o que eu acho que
não pelo corte da túnica, alguém virá à tua procura.
Fulke
FitzWarin, senhor dos castelos de Whittington e Alberbury, e mais de quinze
propriedades espalhadas pelos condados de Shropshire, Staffordshire, Devonshire
e Cambridgeshire, deu um gole de vinho, rolou-o experientemente na boca e
engoliu. Estendeu o cálice ao companheiro: o que achas? Joscelin de Dinan
cheirou a bebida e, sob o olhar ansioso do negociante de vinhos, encostou a borda
do cálice aos lábios. As rugas no canto dos olhos acentuaram-se enquanto
sorria. Não há dúvida de que não me sentiria insultado se me servisses este
vinho. FitzWarin soltou um grunhido divertido. É bom saber que não tenho de
abrir o meu melhor vinho para te satisfazer. Apontou na direcção do comerciante
de vinhos. Levo trinta barris. Pode discutir o preço com o meu despenseiro.
Colocou o cálice sob a torneira do barril com a amostra de vinho e voltou a
enchê-lo. À volta deles, a multidão rodopiava em ondas rápidas. As tendas dos
comerciantes de vinho estavam sempre cheias e o melhor era visitá-las bem cedo,
enquanto ainda havia muito por onde escolher. Sabia bem estar ao ar livre
naquela manhã soalheira sem nada de mais importante para tratar para além do
prazer de falar com velhos amigos, refazer as provisões de vinho e a
perspectiva de mais tarde explorar a feira dos cavalos e as tendas de armas. O
teu despenseiro? Joscelin ergueu as sobrancelhas. Não é a tua mãe? FitzWarin
largou uma gargalhada e afastou o cabelo castanho-escuro da testa. Ela terá sem
dúvida direito à sua palavra mas, para já, está mais interessada em comprar
tecidos e linhas para a costura. Por vezes tem mais por onde escolher do que os
dedos da mão. A reputação da sua mãe era lendária no seio da comunidade
baronial dos Welsh Marches. Muitos diziam, por vezes até na sua cara, que lady
Mellette era adversária à altura de qualquer dragão que pudesse surgir vindo do
País de Gales. Era mais resistente do que a mulher de FitzWarin que tinha menos
de metade da sua idade.
Os
homens provaram mais umas quantas amostras. Joscelin queria provar um Rhenish e
FitzWarin comprou um pequeno barril de um ice-wine
bem doce e potente. Há uma coisa que ando para te perguntar, disse FitzWarin
enquanto se afastavam lentamente das tendas dos vinhos. Tinha o passo seguro, um
bom equilíbrio, mas sentia a língua a enrolar-se na boca. As faces de Joscelin
estavam coradas e faziam os seus olhos verdes-acinzentados brilharem como
pedras polidas. Desde que não seja sobre as minhas filhas, disse Joscelin, meio
a brincar. Com duas enteadas, duas filhas do seu próprio sangue e nenhum rapaz,
Joscelin de Dinan estava constantemente a ser abordado por homens que
pretendiam obter futuros direitos sobre o estratégico castelo e a próspera vila
de Ludlow. Não. FitzWarin abanou a cabeça. É sobre o meu filho..., o mais velho,
explicou, visto ter seis filhos. Já devia ter começado a treinar. O rapaz já tem
dez anos. Gostava de saber se tu... Joscelin ergueu as sobrancelhas porque,
normalmente, um homem mantinha o herdeiro a seu lado e acolhia os filhos de
outros homens como seus companheiros. Os filhos mais novos é que eram mandados
para outras casas na esperança de que ali encontrassem uma posição adequada
através do casamento ou como cavaleiros da casa. Não vais mantê-lo em
Whittington? Pararam para deixar passar uma fila de póneis de carga, com sinos pendurados
a tocar nos arreios, cestos de vime cheios de cintos em pele dourada que mais
pareciam um amontoado de cobras achatadas. FitzWarin suspirou e passou a mão
pelo cabelo com um ar embaraçado. Não. Se fosse o Ralf ou o Richard, ou o
Warin, era isso que faria, mas Brunin precisa de abrir as asas. Não me ocorre
melhor sítio para ele ser treinado do que em Ludlow..., isto se o aceitares». In
Elizabeth Chadwick, Sombras e Fortalezas, 2004, Edições Chá das Cinco, 2009,
ISBN 978-989-803-259-1.
Cortesia
de ECdasCinco/JDACT