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Servos
da terra. Ano de 1320. Quinta de Bernat Estanyol Navarcles. Principado da
Catalunha
«(…)
Até os cavalos, quietos, com os seus grandes olhos redondos assestados nele,
pareciam aguardar a resposta de Bernat. Ao meu casamento, senhor. Com quem casaste?
Com a filha de Pere Esteve, senhor. Llorenç Bellera permaneceu em silêncio,
olhando Bernat por cima da cabeça do seu cavalo. Os animais resfolegaram
ruidosamente. E?, ladrou Llorenç Bellera. A minha mulher e eu próprio, disse
Bernat, tratando de dissimular o seu asco, sentir-nos-íamos muito honrados se
sua senhoria e seus acompanhantes tivessem por bem juntar-se a nós. Temos sede,
Estanyol, afirmou o senhor de Bellera, como única resposta. Os cavalos
puseram-se em movimento sem necessidade de que os cavaleiros os esporeassem.
Bernat, cabisbaixo, dirigiu-se para a casa, ao lado do seu senhor. No final do caminho
tinham-se juntado todos os convidados, para o receber; as mulheres de olhos no
chão, os homens descobertos. Um rumor ininteligível ergueu-se quando Llorenç Bellera
se deteve diante deles. Vamos, vamos, ordenou-lhes, enquanto desmontava. Que
siga a festa! As pessoas obedeceram e deram meia-volta, em silêncio. Vários
soldados aproximaram-se dos cavalos e encarregaram-se dos animais. Bernat
acompanhou os seus novos convidados até à mesa a que tinham estado sentados
Pere e ele. Tanto as suas escudelas como os seus copos tinham desaparecido. O
senhor de Bellera e os seus dois acompanhantes sentaram-se. Bernat afastou-se
alguns passos quando estes começaram a conversar. As mulheres acudiram,
rápidas, com jarros de vinho, pães, escudelas de galinha, pratos de porco
salgado e com o borrego acabado de assar. Bernat procurou Francesca com o
olhar, mas não a encontrou. Não estava entre as mulheres. O olhar de Bernat
cruzou-se com o do sogro, que já estava junto dos restantes convidados, e este
fez sinal com o queixo em direcção às mulheres. Com um gesto quase
imperceptível, Pere Esteve abanou a cabeça e deu meia-volta. Continuem com a
vossa festa!, gritou Llorenç Bellera com uma perna de borrego na mão. Vamos,
venham, avancem! Em silêncio, os convidados começaram a dirigir-se para as
brasas, onde os borregos tinham sido assados. Só um grupo permaneceu quieto, a
salvo dos olhares do senhor e dos seus amigos: Pere Esteve, os filhos e mais
alguns convidados. Bernat avistou o branco da camisa de linho entre eles, e
aproximou-se. Vai-te embora daqui, estúpido!, rosnou o sogro. Antes que ele
pudesse dizer alguma coisa, a mãe de Francesca aproximou-se, colocou-lhe um
prato de borrego nas mãos e sussurrou-lhe: trata de atender ao senhor e não te
aproximes da minha filha. Os camponeses começaram a dar conta do borrego, em
silêncio, olhando de soslaio para a mesa. No terreiro só se ouviam as
gargalhadas e os gritos do senhor de Navarcles e dos seus amigos. Os soldados
descansavam, afastados da festa.
Antes,
ouvia-vos rir, gritou o senhor de Bellera. De tal forma que me espantaram a caça.
Riam, malditos sejam! Ninguém o fez. Bestas rústicas, disse para um dos seus
acompanhantes, que receberam o comentário com gargalhadas. Os três saciaram o
apetite com o borrego e o pão branco. O porco salgado e as escudelas de galinha
ficaram abandonados na mesa. Bernat comeu de pé, um pouco afastado, e olhando
de soslaio para o grupo de mulheres, entre as quais se escondia Francesca. Mais
vinho!, exigiu o senhor de Bellera, levantando o copo. Estanyol, gritou de repente,
procurando-o por entre os convidados, da próxima vez que me pagues o censo das minhas
terras, terás de me trazer vinho como este, e não a zurrapa com que o teu pai
me andou a enganar até agora. Bernat escutou-o, atrás dele. A mãe de Francesca
aproximava-se com mais um jarro. Estanyol, onde estás tu? O cavaleiro bateu na
mesa quando a mulher aproximava o jarro para lhe encher de novo o copo. Algumas
gotas de vinho salpicaram a roupa de Llorenç Bellera. Bernat já se aproximara
dele. Os amigos do senhor riam-se da situação e Pere Esteve levou as mãos ao
rosto. Velha estúpida! Como te atreves a entornar o vinho. A mulher baixou a
cabeça em sinal de submissão e, quando o senhor fez menção de lhe dar uma
bofetada, fugiu e caiu por terra. Llorenç Bellera voltou-se para os amigos e
desatou a rir, vendo como a anciã se afastava, gatinhando, Depois, recuperou a
seriedade e dirigiu-se a Bernat: ai estás aqui, Estanyol. Vê só o que fazem as
velhas inúteis. Por acaso pretendes ofender o teu senhor? Serás tão ignorante
que não sabes que os convidados devem ser atendidos; pela senhora da casa? Onde
está a noiva?, perguntou, passeando o olhar pelo terreiro. Onde está a noiva?,
gritou, perante o silêncio de Bernat». In Ildefonso Falcones, A Catedral do Mar,
2006, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-251-511-5.
Cortesia de
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