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Não
é papa nenhum
«(…)
Pio passou a dizer estar pronto para ir para o Céu. Os jornais italianos
reforçavam a sensação de que algo não estava bem quando noticiaram as alegadas
alucinações descritas pelo papa. Numa delas, via uma réplica do movimento
giratório do Sol em Fátima e, noutra, Jesus surgiu-lhe no quarto para assegurar
que o seu pontificado não tinha ainda chegado ao fim. Foi a primeira vez em mil
anos que um papa afirmava ter visto o Filho de Deus. Alguns cépticos
consideraram que, ao afirmar ter tido visões divinas, Pio fazia campanha pela
sua canonização póstuma. Outros consideravam que seriam efeitos da doença e da
idade avançada. Os leigos que herdaram o IOR e a Administração Especial
afastaram-se de quaisquer rumores de bastidores acerca do papa. Sabiam que,
independentemente do estado de saúde de Pio, a sua idade avançada significava que
seria apenas uma questão de tempo até haver um novo papa. Porque a maioria
nunca tinha trabalhado sob outro pontífice, essa possibilidade era suficiente
para gerar uma angústia considerável. Apesar da especulação acerca da saúde de
Pio, muitos elementos bem colocados manifestaram-se, mesmo assim, surpreendidos
e entristecidos quando souberam que o papa sofrera um enfarte catastrófico no dia
6 de Outubro de 1958. Apesar das suas limitações e peculiaridades, liderara a
igreja através de tempos difíceis. Durante o seu pontificado de dezanove anos,
promovera o papado como posição de poder centralizado e inquestionável, um
monarca divino que fazia recordar os papas mais arrojados de gerações
anteriores. Três dias após o enfarte, o pontífice morria, vitimado por algo que
o Vaticano descreveu como um fenómeno circulatório.
O
conclave que começou a reunir-se era diferente do que tinha eleito Pio em 1939.
Pacelli fora então o principal favorito. A eleição que o tornara papa foi a
mais rápida em trezentos anos. Depois da sua morte, não havia favoritos. E,
para grande consternação no Vaticano, a imprensa especulava pela primeira vez acerca
do conclave como se fosse uma eleição secular. O próprio Spellman era referido
como candidato destacado. Não tinha qualquer hipótese. Tinha demasiados
inimigos na Cúria, que criaram o termo spellmanismo para referirem uma
condição em que alguém tinha um ego demasiado grande e uma ambição demasiado
evidente. Depois do início do conclave, os oitenta cardeais, vinte e nove dos
quais eram italianos, dividiram-se por campos ideológicos. Os sucessores de Pio
eram os conservadores, fortemente anticomunistas e autoritários, que
acreditavam num papado todo-poderoso. Reuniam-se em torno de Giuseppe Siri,
cardeal de Génova, o prelado em cuja arquidiocese o padre croata Draganovic
gerira uma das suas rotas de fuga de criminosos de guerra do seu país. Os
progressistas queriam reduzir o papel activo da Igreja na Guerra Fria e
aceitariam algumas reformas modernistas. Estavam divididos entre viários
candidatos, com o cardeal de Bolonha Giacomo Lercaro, parecendo deter uma
vantagem momentânea.
A
divisão entre cardeais tornou-se evidente para as multidões que enchiam a Praça
de São Pedro. Durante três dias, fumo negro indicando que o papa não fora
eleito saiu dez vezes da chaminé erigida sobre a sua sala de reuniões. O fumo
branco seguiu-se à décima primeira votação. O compromisso do conclave divisão?
O patriarca de Veneza, Angelo Roncalli, a um mês de completar o seu
septuagésimo sétimo aniversário. Há mais de duzentos anos que não era eleito um
papa acima dos setenta anos. Tinham-se reunido à sua volta como gestor de curto
prazo. Afável e anafado, Roncalli era a antítese do seu antecessor reservado e esquivo.
Apesar de não ter integrado quaisquer listas de favoritos, acreditava pessoalmente
ser um candidato de peso. Quando a sua eleição foi anunciada para o exterior do
conclave, retirou do bolso das suas vestes um longo discurso de aceitação que
tinha escrito em latim. Quanto ao seu nome papal surpreendeu os colegas
anunciando sem hesitar que seria João, um nome que todos os papas tinham evitado
porque o ultimo João fora um antipapa fraturante em 1410 (Roncalli apreciava o
nome por ser o da igreja paroquial em que fora batizado).
Nas
primeiras vinte e quatro horas do seu papado, Roncalli demonstrou que não
pretendia ser um mero gestor. No final do conclave, entregou o chapéu vermelho
a monsenhor Alberto di Jorio o prelado responsável pelo IOR. Di Jorio fora o
secretário do conclave e, elevando-o à dignidade de cardeal, Roncalli retomava
a prática abandonada pelos dois papas anteriores. Acabando de colocar as vestes
papais, anunciou que monsenhor Domenico Tardini seria o seu secretário de
Estado, ocupando uma posição que Pio deixara vazia durante catorze anos. Roncalli
era o terceiro de treze filhos, o rapaz mais velho, de uma família camponesa
pobre da aldeia de Sotto Il Monte no Norte de Itália. Os seus pais tinham-no
matriculado num seminário local quando tinha apenas onze anos. Um padre trazia
algum prestígio às famílias. Era também uma boca a menos para alimentar. Aos
dezanove anos, obteve uma bolsa para estudar na Accademia dei Nobili de Roma,
um seminário que funcionava como centro de recrutamento da Cúria». In
Gerald Posner, Os Banqueiros de Deus, 2015, Editora Self-Desenvolvimento
Pessoal, 2015, ISBN 978-989-878-155-0.
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