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Fechou a porta do quarto levemente e deixou que sua mãe descansasse por mais um
pouco. Juntou-se a seus irmãos que conferenciavam no
salão principal e questionou-os sobre o pedido da mãe. Havia várias opiniões
mas todas elas não passavam pela ida de qualquer dos Lascaris a Constantinopla
ou a Niceia. Para uns, a questão não tinha razão de ser, porque os objectos sagrados
deveriam estar na posse da igreja de Constantinopla, quando o tal imperador
usurpador Miguel Paleólogo tomou conta do império e acabou com o estado de
Niceia. Para o irmão mais ve1ho, Juan, seria ajuizado, dizia ele, enviar uns
emissários à procura do tio em Niceia e saber se este ainda viveria ou não, e
onde parariam os objectos que a mãe dizia estarem escondidos, em local que
apenas seria do conhecimento do seu irmão João Lascaris. E mais tarde, caso as
respostas sobre a existência do tio João fossem positivas, decidiriam então
quem, como e quando, para Constantinopla se deslocariam. Pareceu ajustada e prudente
a sugestão de seu irmão e decidiram trabalhar melhor a ideia. À noite, à ceia, sua
mãe decidira levantar-se e sentar-se à mesa grande do salão e com algum custo partilhar
a refeição com os seus filhos. Não que fosse a sua última refeição, mas porque tinha
resolvido voltar para sua casa em Zaragoça e por lá ficar durante uns tempos, até
que Deus quisesse. Ninguém apoiou tal ideia mas Eudóxia era obstinada nas suas
decisões e não valia a pena contrariá-la. Vataça iria com sua mãe até Zaragoça,
quando fizesse a viagem de regresso e depois seguiria para Toledo de Castela, onde
aguardaria informações sobre os resultados da tal deslocação dos emissários a Niceia.
Quando
ouviu a proposta dos filhos, sobre o envio de emissários a Constantinopla e a Niceia,
Eudóxia concordou com algum entusiasmo e logo de seguida sugeriu, que ainda nessa
tarde e no dia seguinte, pela manhãzinha, alguém fosse com Manolo Ratia ao porto
de Barcelona. Aí procurariam a nau do grego Ulisses Patrai, mercador, que percorria
há anos todo o mar Mediterrâneo e o mar de Mármara, desde Constantinopla a
Barcelona. E também todo o norte de África, de Argel a Alexandria, além de algumas
incursões que por vezes fazia para além das colunas de Hércules, Para o grande
oceano Atlântico, até terras de Portugal. Além disso, desse seu imenso
conhecimento náutico, Ulisses tinha sido seu companheiro de brincadeiras, enquanto
jovens, em Niceia, pois seu pai fora instrutor-chefe da guarda do palácio real e
viveram e brincaram então, conjuntamente, no palácio de Niceia. E, ele, Ulisses,
seria a pessoa indicada para tal tarefa.
Por
entre a azáfama da actividade portuária de Barcelona, Manolo e Juan Lascaris procuraram
a nau de Ulisses Patrai. Homens com enormes fardos às costas, barris aos ombros
cheios de vinho ou de mel, caixotes e barricas cheias de sal ou de cereais, percorriam
apressadamente os caminhos entre as grandes barcaças e as carroças que os levariam
aos mercados de muitas vilas e cidades de Aragão. Percorreram todas as embarcações
que se encontravam acostadas ao cais, perguntaram a muitos mercadores e a outros
tantos descarregadores se o grego Ulisses, o Grande, como era conhecido nas lides
portuárias, estaria no porto. Depois até questionaram os donos dos pequenos botes
que percorriam as distâncias entre as naus ancoradas mais longe e o cais, trazendo
pessoal das tripulações para terra ou levando-os de volta às naus, se o tinham visto
em águas de Barcelona. Mas nada. Apenas souberam por outro mercador que o havia
encontrado, cerca de um mês atrás, em Veneza, mas que deveria estar a chegar a Barcelona,
dentro de um ou dois dias. Essa a notícia que levariam para casa. Mais valia então
esperar algum tempo, encontrar o grego e depois face àquilo que ele dissesse, decidir
o que fazer». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime
Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
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