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e wikipedia
A
Invasão. 1096-1100
«(…)
Para os sitiados, começa um suplício atroz: eles chegam a beber o sangue de
suas montarias e sua própria urina. Podem ser vistos, nesses primeiros dias de
Outubro, olhando desesperadamente para o céu, mendigando algumas gotas de
chuva. Em vão. Após uma semana um cavaleiro chamado Renaud, chefe da expedição,
aceita a capitulação com a condição de que lhe seja poupada a vida. Kilij
Arslan, que exigiu que os franj denunciem publicamente a sua religião,
não fica pouco surpreso quando Renaud se diz pronto não só a converter-se ao
islamismo, mas também a combater ao lado dos turcos contra seus próprios
companheiros. Vários de seus amigos, que se prestaram às mesmas exigências, são
enviados como prisioneiros para as cidades da Síria ou da Ásia Central. Os
outros são mortos pela espada. O jovem sultão está orgulhoso de sua proeza,
mantém-se ponderado. Após ter concedido a seus homens um prazo para a tradicional
partilha dos bens restados da guerra, ele os coloca em alerta a partir do dia
seguinte. É verdade que os franj perderam cerca de seis mil homens, mas
os que restam são seis vezes mais numerosos, e esta é a única oportunidade para
se livrarem deles. Para tanto, ele preferiu destacar dois espiões, gregos, para
o acampamento de Citivot, afim de anunciar que os homens de Renaud estão em
excelente condição, que conseguiram apoderar-se da própria Nicéia, e que estão firmemente
decididos a não permitir que seus correligionários lhes disputem as riquezas.
Enquanto isso, o exército turco preparará uma gigantesca emboscada. De facto,
os rumores cuidadosamente propagados suscitam no acampamento de Citivot a
confusão prevista. Formam-se grupos, injuria-se Renaud e seus homens. Logo
tomam a decisão de pôr-se a caminho para participar do saque de Nicéia. Mas eis
que, subitamente, não se sabe muito bem como, um homem que conseguiu escapar da
expedição de Xerigordon chega, revelando a verdade quanto à sorte de seus
companheiros. Os espiões de Kilij Arslan pensam ter fracassado em sua missão,
já que os mais sábios entre os franj
pregam a calma. Mas, passado o primeiro momento de consternação, a exaltação
volta. A multidão se agita e brada, quer partir imediatamente e não mais para
participar de meros saques, e sim vingar os mártires. Aqueles que hesitam são
tratados de covardes. Finalmente, os mais enfurecidos obtêm ganho de causa, e a
partida é fixada para o dia seguinte. Tendo seu artifício descoberto, ainda que
o objectivo houvesse sido previamente atingido, os espiões do sultão triunfam e
mandam dizer ao seu senhor que se prepare para o combate. Na madrugada de 21 de
Outubro de 1096, os ocidentais deixam seu acampamento. Kilij Arslan não está longe.
Ele passou a noite nas colinas próximas a Citivot. Seus homens estão nos seus
lugares, bem escondidos. Ele mesmo, de onde está, pode avistar ao longe a
coluna dos franj levantar uma nuvem
de poeira. Algumas centenas de cavaleiros, a maioria sem armadura, andam na
frente, seguidos por uma multidão de infantes em desordem. Estão andando há
menos de uma hora quando o sultão ouve o clamor que se aproxima. O sol que se
ergue atrás dele golpeia-os em pleno rosto. Prendendo a respiração, ele faz
sinal aos seus emires comandados para que se mantenham alertas. O instante
fatídico é chegado. Um gesto apenas perceptível, algumas ordens sussurradas
aqui e ali, e eis os arqueiros retesando lentamente seus arcos. De repente, mil
flechas jorram num único e longo assobio. A maioria dos cavaleiros desaba nos
primeiros minutos. Depois, os infantes são dizimados por sua vez. Quando se
travou o combate corpo-a-corpo, os franj
já estavam derrotados. Aqueles que se encontravam na rectaguarda voltaram
correndo para o acampamento, onde os que repousavam eram despertados. Um velho
sacerdote celebra um ofício religioso, algumas mulheres preparam comida. A
chegada dos fugitivos com os turcos no seu encalço espalha o terror. Alguns,
que tentaram atingir os bosques vizinhos, são rapidamente alcançados. Outros,
mais espertos, protegem-se numa fortaleza abandonada que apresenta a vantagem
de ser encostada ao mar. Não querendo assumir riscos inúteis, o sultão renuncia
a sitiá-los. A frota bizantina, rapidamente avisada, virá recuperá-los. Dois a
três mil homens escaparão assim. Pierre, o
Eremita, que se encontra há alguns dias em Constantinopla, tem dessa forma,
ele também, a vida salva. Mas seus partidários têm menos sorte. As mulheres
mais jovens foram raptadas pelos cavaleiros do sultão para serem distribuídas
aos emires ou vendidas nos mercados de escravos. Alguns rapazes experimentam o
mesmo destino. Os outros franj, cerca
de vinte mil, sem dúvida, foram exterminados. Kilij Arslan jubila. Acaba por
aniquilar esse exército franco que diziam tão temível, sendo que as perdas de
suas próprias tropas são insignificantes. Contemplando a vasta destruição
amontoada a seus pés, ele acredita viver um de seus mais belos triunfos. E, no
entanto, raramente na História, uma vitória terá custado tão caro àqueles que a
obtiveram». In Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos Árabes, 1983, Colecção
História Narrativa, nº 38, Reimpressão, Edições 70, Ensaio, 2016,
ISBN-978-972-441-756-1.
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