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«(…)
Pesada esta consideração, que não podemos agora desenvolver de um modo cabal,
ver-se-á como na história de uma civilização os caracteres particulares das acções
dos homens, fundindo-se no sistema geral de princípios e leis que os
determinam, perdem individualidade, e não valem senão como elementos
componentes de um todo superior: que sejam humanamente bons ou maus, importa
nada, porque só nos cumpre atender ao destino que os determina, e a moral é um
critério incompetente para a esfera ou categoria colectiva de que se trata. Na
esfera dos movimentos de instituições e ideias na categoria da vida social, as
acções dos homens são sempre absolutamente excelentes; porque a supremacia da
sociedade sobre o indivíduo consiste no facto da existência de uma consciência
superior da Ideia, no organismo que se diz sociedade. Os poetas épicos, seres
privilegiados cuja voz não é própria, senão colectiva, são os órgãos vivos da
consciência de uma civilização; assim Camões sente e exprime a grandeza
histórica do império das Índias, que na própria opinião particular do poeta são
uma Babilónia, um poço de ignomínias. Esclarecido este lado do problema, embora
de um modo incompleto e rápido, resta-nos dizer que na segunda metade da
história, na que trata dos indivíduos e dos episódios, na que pinta os costumes
e os pensamentos, o critério é outro: por isso afirmámos que a história é uma
lição moral. Nos vícios e nas virtudes, nos erros e nos acertos, na
perversidade e na nobreza dos indivíduos que foram, há um exemplo excelente. Na
sabedoria ou na loucura dos actos políticos e administrativos passados há um
meio de prevenir e encaminhar a direcção dos actos futuros. A história é, nesse
sentido, a grande mestra da vida. Se os vícios, os erros, o crime e a loucura
predominam, iremos por isso condenar a história por perniciosa? Não, decerto.
Apresentar crua e realmente a verdade é o melhor modo de educar, se
reconhecemos no homem uma fibra íntima de aspirações ideais e justas, sempre
viva, embora mais ou menos obliterada. Conhecer-se a si próprio foi, desde a
mais remota Antiguidade, a principal condição da virtude.
Discrição
de Portugal
Os
Lusitanos
O
povo desde o qual os historiadores têm tecido a genealogia portuguesa está
achado: é o dos lusitanos. Na opinião desses escritores, através de todas as
fases políticas e sociais da Espanha durante mais de três mil anos, aquela raça
de celtas soube sempre, como Anteu, erguer-se viva e forte; reproduzir-se,
imortal na sua essência; e nós os portugueses do século XIX temos a honra de
ser os seus legítimos herdeiros e representantes. Com esta ironia encoberta mas
grave, fustigava Alexandre Herculano os seus predecessores, historiógrafos
nacionais, e, segurando com valor a férula magistral, castigava o povo culpado
de acreditar numa tradição que tem para o erudito, além de outros defeitos, o
de ser recente. Só desde o fim do XV século o nome de lusitani começa a
substituir o de portucalenses, nos livros; mas essa inovação,
perpetuando-se entre os eruditos, torna-se por fim uma crença nacional e quase
popular. Que valor merece a inovação? Nenhum; e por vários motivos: Tudo
falta: a conveniência de limites territoriais, a identidade da raça, a filiação
da língua, para estabelecermos uma transição natural entre os povos bárbaros e
nós. Ora estes argumentos, decisivos para o sábio historiador, não nos
parece a nós, perdoe-se-nos o atrevimento, que o sejam. Outro tanto sucede com
todas as nações ou quase todas, desde que procuramos estabelecer a árvore
genealógica, indo aos arcanos de um passado ignoto reconhecer a fisionomia dos
mortos de muitos séculos e determinar de entre eles os primeiros avós de uma
nação. Seria absurdo exigir conveniência de limites territoriais, ou por outra,
identidade de fronteiras, entre a localização de uma tribo primitiva, e a de
uma nação moderna nem aos povos que hoje mais indiscutivelmente representam,
pura, uma raça, poderia fazer-se tal exigência. Se há ou não identidade de
raça, é exactamente o problema que deveria agitar-se; e, sem isso, negá-lo é
proceder dogmática e não cientificamente». In J. Oliveira Martins, História de
Portugal, 1879, Edições Vercial, Guimarães Editores, Edição/reimpressão 2004,
ISBN 978-972-665-490-2.
Cortesia
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