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Em todo o caso, o que os historiadores espanhóis consideram como a primeira
intriga com fundamento, na qual participaria Maria Luísa de Parma, parece ter nascido
dos ciúmes que sentiam os príncipes das Astúrias por motivo da marginalização de
que eram alvo por parte do rei, através do seu braço-direito, o conde de Floridablanca,
considerado na corte como chefe do partido iluminista, contrário ao partido aragonês,
que reunia a nobreza mais conservadora, e que era chefiado pelo conde de Aranda,
oriundo de Aragão. Para manter o seu rival afastado do poder, Floridablanca
tinha conseguido que o rei nomeasse Aranda embaixador espanhol em Versalhes. No
entanto, isso não tinha impedido mas, pelo contrário, feito com que os seus partidários
fossem os mais assíduos frequentadores do quarto dos príncipes, local que se tinha
convertido, pouco a pouco, numa espécie de corte paralela, alternativa à do
rei. Algumas cartas escritas pela condessa de Aranda ao marido da parte dos príncipes
levaram o embaixador a acreditar que suas altezas pretendiam colocá-lo à cabeça
de um plano para derrubar Floridablanca e fazer com que o rei Carlos abdicasse no
príncipe das Astúrias. Com incrível insensatez, o aragonês deixou Versalhes e apresentou-se
em Madrid para levar a cabo este propósito, mas Maria Luísa, assustada com a
dimensão que tinham tomado os acontecimentos, convenceu o marido a passar-se
para o partido de Floridablanca. Assim, o conde de Aranda, posto em evidência perante
o rei, perdeu não apenas o suposto favoritismo em relação a ele, como também o seu
cargo de embaixador.
Nesta
altura, começaram a circular rumores sobre as relações demasiado íntimas que a
mãe de Carlota mantinha com um oficial do Corpo de Guarda, conhecido por tocar muito
bem viola. Pressentindo que isso a colocaria numa posição muito delicada
perante o seu sogro, que demonstrava cada vez menos simpatia por ela, Maria Luísa
decidiu então escrever uma carta muito compungida à pessoa que mais respeito
merecia do rei, o seu confessor. Encontro-me numa situação muito má, repleta
de dificuldades e exposta a tê-las maiores, dizia nela a princesa ao
sacerdote, porque há um partido de pessoas que pretende que me desentenda com
o rei, e só lhe digo que o objectivo destas pessoas é mandar no Príncipe e em mim,
e mandarem eles, e para isso inventam e mentem, criando calúnias contra tudo.
A princesa
insinuava assim que toda a culpa da recente intriga era dos membros do partido aragonês
que se tinham servido dela e do seu marido para subir posições na corte. Embora
isso fosse parcialmente verdade (é provável que as expectativas dos aragonesistas
tivessem sido fomentadas por Maria Luísa), ela sabia que o sacerdote não podia
deixar de considerar essa parte como verdadeira. E era isso que mais lhe
interessava para dar credibilidade à segunda parte da carta, onde se referia ao
lado da intriga mais comprometedor para ela, os rumores da sua relação com o oficial
do Corpo de Guarda, enquanto mulher de um príncipe cujo pai era conhecido pela sua
integridade em assuntos de moral sexual. Quero que saiba que por motivo da
solidão em que o Príncipe e eu nos encontramos, continuava Maria Luísa, têm
vindo algumas pessoas ao nosso quarto, e como é natural que, se houver alguém que
tenha mais habilidade para cantar, jogar ou executar outra coisa divertida, a tragam
para que nós a vejamos. Agora espalhou-se por Madrid, e já tinha acontecido
no palácio, que um guarda que o príncipe e eu ouvimos cantar tinha sido expulso
por esta razão, acrescentando mil maldades para me desacreditar perante o papá
[o rei], o Príncipe e o público, num falatório que vai arruinando a minha reputação.
Poucos dias depois, o confessor respondeu à mãe de Carlota dizendo, entre
outras coisas, que se chegar aos meus ouvidos alguma coisa desse tipo, saberei rebater
devidamente. A conhecida honestidade do sacerdote, a quem um rei escrupuloso tinha
entregado a direcção da sua consciência, convertia-se assim na melhor sentença absolutória
para Maria Luísa, uma vez que era muito difícil que respondesse nesses termos se
não estivesse convencido de que essa era a verdade». In Marsilio Cassotti, Carlota
Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
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