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«Eu
tinha cinquenta anos e há quatro que não ia para a cama com uma mulher. Não tinha
amigas. Quando passava por elas, na rua ou onde quer que as via, olhava, mas
olhava sem desejo e com desinteresse. Mastur… regularmente, e a ideia de ter
uma relação com uma mulher, mesmo em termos não sexuais, estava muito longe da
minha imaginação. Eu tinha uma filha ilegítima, com seis anos de idade. Ela
vivia com a mãe e eu pagava uma pensão. Casara-me aos 35 anos, há alguns anos
atrás. Este casamento durou dois anos e meio. A minha mulher divorciou-se de
mim. Só estive apaixonado uma vez. Ela morreu de alcoolismo crónico. Morreu aos
48, quando eu tinha 38. A minha mulher era doze anos mais nova do que eu.
Acredito também que ela esteja morta, embora não tenha a certeza. Durante seis
anos, depois do divórcio, ela escrevia-me pelo Natal uma longa carta. Nunca
respondi... Não sei quando vi Lydia Vance pela primeira vez. Foi há cerca de
seis anos, tinha eu acabado de abandonar um emprego de doze anos como
funcionário dos correios, e tentava tornar-me escritor. Estava mais
aterrorizado e bêbedo do que nunca. Debatia-me com o meu primeiro romance.
Todas as noites, enquanto escrevia, esvaziava meia garrafa de whisky e
duas embalagens de seis cervejas. Fumava cigarros baratos e escrevia à máquina,
bebia e ouvia música clássica pela rádio até amanhecer. Impus-me um objectivo
de dez páginas por noite, mas nunca sabia até ao dia seguinte quantas tinha
escrito. De manhã levantava-me, vomitava, dirigia-me para a sala da frente e
olhava para o sofá para ver quantas lá estavam. Excedia sempre as minhas dez.
Por vezes eram 17,18, 23, 25 páginas. Claro, o trabalho de cada noite teria de
ser limpo ou deitado fora. Para escrever o meu primeiro romance levei vinte e
uma noites.
Os
donos da casa onde então vivia, e que moravam nas traseiras, pensavam que eu era
maluco. Quando acordava de manhã, estava um grande saco de papel castanho à
porta. O conteúdo variava algumas vezes, mas habitualmente era tomates,
rabanetes, laranjas, cebolas verdes, latas de sopa, cebolas vermelhas. De vez
em quando eu bebia cerveja com eles até às 4 ou 5 da manhã. Habitualmente o
velho desaparecia, e eu e a velha aproveitávamos para nos darmos as mãos, e às
vezes até a beijava. À porta, dava-lhe sempre um grande beijo. Ela era
terrivelmente enrugada, mas nada podia contra isso. Era católica e ficava muito
gira quando punha o seu chapéu cor-de-rosa para ir à igreja ao domingo de
manhã. Penso que encontrei Lydia Vance na minha primeira leitura de poesia. Foi
numa livraria da Kenmore Avenue, The Drawbridge. Estava, mais uma vez,
aterrorizado. Vaidoso, mas aterrorizado. Quando entrei só havia lugares em pé.
Peter, que se ocupava da livraria e vivia com uma preta, tinha uma pilha de
notas à sua frente. Mer…, pensei, se eu conseguisse juntar sempre assim tantas,
teria dinheiro suficiente para fazer outra viagem à Índia! Entrei e eles
começaram a aplaudir. No que diz respeito à leitura de poesia, ia de facto ser
de arromba. Eu li durante meia hora e fiz um intervalo. Ainda estava sóbrio e podia
sentir no escuro os olhos presos em mim. Vieram algumas pessoas falar comigo. Depois,
no momento em que eu estava mais livre, Lydia Vance aproximou-se. Eu bebia cerveja
sentado a uma mesa. Ela pousou as duas mãos no rebordo da mesa, inclinou-se e olhou
para mim. Tinha longos cabelos castanhos, na verdade muito compridos, um nariz proeminente
e era estrábica. Mas desprendia vitalidade, sabia-se que ela estava ali. Eu sentia
passarem vibrações entre nós. Algumas eram confusas e não muito boas, mas estavam
ali. Ela olhou-me e eu devolvi- lhe o olhar. Lydia Vance usava um casaco de cowgirl
em camurça, com uma franja à volta do pescoço. O seu peito era mesmo bom.
Eu disse- lhe: gostaria de arrancar essa franja do seu casaco podíamos começar
por aí!. Lydia afastou-se. Não tinha pegado. Eu nunca sabia o que dizer às
mulheres. Mas ela tinha cá um traseiro. O fundo das suas calças de ganga
moldavam-no na perfeição, e eu continuava a fixá-lo enquanto ela se afastava.
Acabei
a segunda parte da leitura e esqueci Lydia exactamente como me esquecia das
mulheres com que me cruzava na rua. Recolhi o meu dinheiro, escrevi em alguns guardanapos,
alguns bocados de papel e depois fui de carro para casa. Nessa altura ainda
passava noites a trabalhar no meu romance. Nunca começava a trabalhar antes das
6 e 18 da tarde. Dantes, a essa hora, estava eu a carimbar e a selar no terminal
dos Correios. Eram 6 horas da tarde quando Peter e Lydia Vance chegaram. Abri a
porta. Peter disse: olha, Henry, olha o que eu te trouxe. Lydia saltou para a
mesa de café! As suas calças de ganga moldavam-na mais do que nunca. Ela
sacudia para a esquerda e para a direita os seus longos cabelos castanhos. Era
louca; era milagrosa. Pela primeira vez pus seriamente a hipótese de fazer amor
com ela. Pôs-se a recitar poemas. Era muito mau. Peter tentou pará-la: não!
Não! Nada de poesia rimada na casa de Henry Chinaski!. Deixa-a continuar,
Peter! Eu queria olhar para as suas nádegas. Ela fazia trepidar a velha mesa de
café. Depois dançou. Agitava os braços. A poesia era péssima, mas não o corpo
nem a sua loucura. Lydia saltou para o chão. Gostaste, Henry? De quê? Da
poesia. Não muito. Lydia ficou imóvel com os poemas na mão. Peter agarrou-a. Vamos
f…!, disse-lhe. Anda, vamos f…! Ela repeliu-o. Está bem, disse Peter. Se assim
é, vou-me embora! Então vai. Eu tenho o meu carro, disse Lydia. Posso ir para
casa sozinha». In Charles Bukowski, Mulheres, 1978, 1985, Publicações dom Quixote, 2001,
ISBN 978-972-202-006-0.
Cortesia
de EdomQuixote/JDACT