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Copenhaga.
Dinamarca
«(…)
Cotton Malone viu a faca ao mesmo tempo que avistou Stephanie Nelle. Encontrava-se
confortavelmente sentado numa cadeira branca na esplanada do café Nikolaj. A
tarde estava soalheira e convidativa e a Höjbro Plads, a mais conhecida praça
dinamarquesa, fervilhava de vida. No café decorria a azáfama do costume e ele
esperava por Stephanie há já meia hora. Era uma mulher baixa e magra, na casa
dos sessenta, embora nunca tivesse confirmado a sua idade e os registos do
Departamento de Justiça, que Malone consultara em tempos, exibissem um espaço
em branco na zona reservada à data de nascimento. O cabelo loiro exibia
madeixas grisalhas e os olhos azuis possuíam a expressão de uma liberal e o
brilho de uma promotora pública. Dois presidentes já tinham tentado que ela
fosse procuradora-geral, mas Stephanie recusara ambas as propostas. Um
procurador-geral fizera pressão para que fosse despedida, principalmente depois
de ter sido recrutada pelo FBI para o investigar, mas a Casa Branca rejeitara a
ideia, uma vez que, entre outras qualidades, Stephanie Nelle era uma profissional
honesta. Em contraste, o homem da faca era baixo e corpulento e usava o cabelo curto.
Algo parecia assombrar as feições de europeu de Leste, um desespero que
preocupava Malone bem mais do que a faca brilhante que trazia na mão. O homem
vestia umas calças de ganga e um casaco vermelho. Malone levantou-se da
cadeira, mas manteve os olhos fixos em Stephanie. Pensou gritar em sinal de
aviso, mas ela encontrava-se demasiado afastada e havia muito barulho na praça.
Por momentos, o seu ângulo de visão foi obstruído por uma das esculturas
modernistas que decoravam Höjbro Plads, representava uma mulher
escandalosamente obesa, deitada, nua, em decúbito ventral, com as indiscretas
nádegas redondas como montanhas. Quando Stephanie surgiu do outro lado do
bronze fundido, o homem da faca aproximara-se e Malone observou-o a cortar a alça
da mala e a empurrar Stephanie para o chão. Uma mulher gritou e a confusão
instalou-se. O homem da faca fugiu com a mala de Stephanie e empurrou as pessoas
que se atravessavam no seu caminho. O ladrão virou à esquerda, contornou outra
das esculturas de bronze e, por fim, desatou a correr.
Parecia
dirigir-se para Köbmagergade, uma rua apenas para peões que virava para norte,
afastando-se de Höjbro Plads, e continuava depois para o interior da zona
comercial da cidade. Malone empurrou a mesa, determinado a cortar o caminho ao
ladrão antes que este conseguisse dobrar a esquina. Todavia, um amontoado de bicicletas
bloqueou-lhe o caminho. Contornou as bicicletas e acelerou a corrida, rodeando
parcialmente uma fonte antes de agarrar a sua presa. Aterraram ambos na pedra
dura, tendo o homem da faca absorvido grande parte do impacto. Foi nessa altura
que Malone se apercebeu que o seu oponente era um homem musculado e robusto. Pouco
impressionado pelo ataque, o ladrão rebolou uma vez e depois pressionou o
joelho contra o estômago de Malone, que ficou sem conseguir respirar e com as
costelas a doer. O homem da faca ergueu-se e correu em direcção à rua pedonal. Malone
também se levantou, mas teve de se dobrar e inspirar lentamente. Maldição.
Estava destreinado. Recuperou o fôlego e retomou a perseguição. A sua presa levava
agora cerca de quinze metros de vantagem. Malone não vira a faca durante a luta,
mas enquanto subia a rua percebeu que o homem ainda levava a mala de pele.
Sentia o peito a arder, mas a distância começava a diminuir. O homem da faca
derrubou um carrinho de flores, um dos muitos que ladeavam tanto Höjbro Plads
como Köbmagergade. Malone detestava os vendedores de flores, que pareciam
adorar amontoar-se em frente da sua livraria, principalmente aos sábados. O
ladrão empurrou o carrinho em direcção ao seu perseguidor. Malone não podia
deixar que o pequeno carro continuasse em movimento, havia demasiadas pessoas
na rua, incluindo crianças, assim, precipitou-se para a direita, agarrou-o e
inclinou-o até parar. Olhou para trás e viu Stephanie virar a esquina para a Köbmagergade
na companhia de um polícia. Estavam a meio campo de futebol de distância e ele
não tinha tempo para esperar. Continuou a correr e perguntou-se para onde se
dirigia o homem. Talvez tivesse deixado um veículo, ou um condutor, à espera no
local onde a rua pedonal desembocava noutra das mais movimentadas praças de Copenhaga,
a Hauser Plads. Esperava que isso não acontecesse. Aquele local era um pesadelo
em termos de trânsito, já para não falar do labirinto de ruas pedestres que formavam
a meca dos consumidores, conhecida como Ströget. As coxas doíam-lhe em
resultado do exercício inesperado, os músculos já mal recordavam os dias em que
pertencera à Marinha e ao Departamento de Justiça. Após um ano de reforma
voluntária, o seu plano de treino não impressionaria o seu antigo empregador. Mais
à frente aparecia a Torre Redonda, aninhada firmemente contra a igreja da Trindade
como uma garrafa-termo presa a uma lancheira. A robusta estrutura cilíndrica
elevava-se a uma altura de nove andares. Fora mandada erigir por Cristiano IV,
em 1642, e o símbolo do seu reinado, um 4 dourado rodeado por um C, brilhava na
fachada do sóbrio edifício de tijolo. No lugar onde a torre se erguia
cruzavam-se cinco ruas e o homem da faca podia escolher qualquer uma delas para
a sua fuga. Começaram a surgir carros da Polícia». In Steve Berry, O Legado dos
Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.
Cortesia
PdomQuixote/JDACT