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Montségur.
1243
«(…)
Por favor, Pierre-Roger, a jovem colocou a mão em seu ombro, não espere nada do
mundo exterior, pois que só o que se consegue assim é fechar os olhos diante da
visão das portas do Paraíso. O Paraíso é a certeza que ninguém pode nos tirar! E
despediu-se com um sorriso alegre. Entretanto, o Montségur ficara envolto nas
trevas da escuridão nocturna, ao mesmo tempo que as estrelas luziam com um
brilho mais claro. Em baixo, no vale, as fogueiras ardiam, mas as canções
obscenas, os gritos das prostitutas e as blasfémias dos soldados entretidos no
jogo de dados e com a bebida não chegavam até o alto da montanha. O ambiente no
acampamento deixava muito a desejar. Aproximava-se o Outono. Há mais de meio
ano estavam acampados naquele lugar, e embora nos primeiros dias alguns
atrevidos tivessem pretendido assaltar o monte, confiando em suas próprias
forças, fracassaram em todas as tentativas. Sua situação estratégica e as
poderosas defesas da fortaleza vinham resistindo durante mais de duas gerações
a todos os ataques. O senescal sabia disso e mantinha-se na expectativa apesar
das contínuas pressões do legado, mas também Hugues des Areis mostrava-se cada
vez mais irritado conforme transcorriam os entediantes dias de espera ao pé do pog.
Ordenou aos seus capelães que rezassem missa várias vezes ao dia, como se
suas orações pudessem melhorar a situação militar. Certa noite em que se
apresentara ao franciscano, para rezar com ele, teve uma súbita revelação. Caçadores
da montanha do país basco!, alfinetou William, que, obedecendo ao costume, já ajoelhara.
Deveríamos contratá-los de imediato, ainda que nos custem muito dinheiro, mesmo
que seja quase impossível que entrem num acordo antes de terem recolhido suas
colheitas. Santificado seja o nome do Senhor e da Santíssima, começou William. Levanta
esse traseiro flamengo, retrucou o senescal, e dê-me a jarra. A ideia merece um
brinde!
Os montanheses.
Montségur, Inverno de 1243-44
No
final do Outono, chegou o corpo de montanheses procedente do distante país
basco. Meu senhor, o senescal, não quis que acampassem entre os outros, por
isso conduziu-os pessoalmente para além do pog, debaixo do Roc de la
Portaille, onde a parede rochosa ascende tão verticalmente que de baixo apenas
se pode antever a grande torre central do Montségur. Ao chegar, permitiu que
descansassem. Fui o único escolhido para acompanhá-los, o que provocou inveja
em meus companheiros. À tarde voltámos a empreender a marcha, deslizando um por
um debaixo da parede norte, protegidos de qualquer olhar devido aos altos
pinheiros do bosque de Serralunga, cujos limites chegam até o mesmo rochedo. Caminhando
atrás de Gorka, um dos chefes bascos, a duras penas conseguia manter-me ao
ritmo de seus passos e ao mesmo tempo sustentar uma conversa na qual nos
servíamos de uma mistura de vozes italianas e latinas. Não tinha a mínima ideia
da direcção que tomava nossa expedição secreta. Roc de laTour, informou-me
Gorka sem mais rodeios. Ofegante, eu tropeçava pelo caminho. Para quê? Para
cortar o chouriço, é preciso atá-lo primeiro. Parece que se esqueceram desse
detalhe. Calei-me. Por um lado, porque suas palavras me fizeram sentir fome
imediatamente, e por outro também porque a mesma ideia da comida me fez pensar
de imediato no Santo Graal, de quem todos estavam falando no acampamento, mas
sobre o qual ninguém conseguia dar uma resposta minimamente satisfatória. Devia
tratar-se de alguma coisa superior a um tesouro, de uma espécie de bebida
reconfortante que já não fazia sentir sede nunca, de um maná celestial que
livraria um pobre frade como eu de toda fadiga terrena. Não estamos buscando um
tesouro, o tal do Graal?, prossegui, indagando com certo recato, pois me dava
vergonha não saber melhor das coisas e porque vira diversas vezes as reacções
mais estranhas de enfado quando um de nós perguntava pelo motivo real daquela
cruzada. Pois não, William, sorriu Gorka. Vamos à conquista de um monte de
pedras que não valem nada, com que até a presente data ninguém se preocupou,
razão pela qual elas se converteram, para os defensores do Montségur, numa cómoda
abertura pela qual recebem as suas provisões. Mas nós somos o gato que a partir
de agora vigiará essa ratoeira!» In Peter Berling, Os filhos do Graal, 1991,
Editorial Presença, colecção Grandes Narrativas, 1996, ISBN 978-972-231-982-9.
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