segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A Princesa Boémia. Maria João Gouveia. «Pedro de Alcântara divisou a descida de um conjunto de marinheiros ao escaler que os conduziria da corveta até ao porto, entre os quais se contaria certamente o tão aguardado viajante real»

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«(…) Alheado de todo o revoluteio palaciano, há muito que Pedro vestira o seu uniforme de circunstância, composto por calças brancas e justas, e uma casaca preta de gola subida, ornada das suas divisas imperiais e dos seus áureos elementos de gala. E assim, solene, o jovem imperador do Brasil não afastava do ancoradouro o seu olhar. A corveta que pompeava briosa a bandeira de França atracara havia poucos instantes. Do seu posto à ventana o monarca adivinhava, não logrando vislumbrar, dada a distância de um par de varas que separava o cais da alcáçova imperial, a intensa actividade naval dos marinheiros que recolheriam as velas, atariam no seu nó cego os cabos ao desembarcadoiro, e se dariam veloz e diligentemente à sua faina, repartidos ordenadamente por um sem número de lidas próprias da aportada. Em meio ao azafamado bando de mareantes, o rei regente imaginava reconhecer o comandante da embarcação, ornado das suas distintas insígnias de capitão da armada, grandioso em estatuto e em traquejo protocolar. Uma vintena de minutos mais tarde, Pedro de Alcântara divisou a descida de um conjunto de marinheiros ao escaler que os conduziria da corveta até ao porto, entre os quais se contaria certamente o tão aguardado viajante real. Não muito tempo depois, a uns 40 minutos de viagem, surgia na dobra da estrada um grupo de homens a cavalo, entre os quais se destacava, pelo solene trajo e pela altiva e digna postura, o capitão de L’Hercule. Ei-lo, portanto, Francisco Ferdinando Orléans, filho do seu homólogo galo! Apesar da lonjura, Pedro II apercebia-se claramente da firmeza com que o infante de Joinville, que se lhe adiantava sete anos em idade, enfrentava aquele novo mundo e a própria existência; o que deixava o imperador um tanto inseguro no seu papel de líder de um imenso território e, nesse dado momento, acrescido da função de anfitrião adolescente de um príncipe distante, forasteiro e maduro. Sacudidas as inseguranças, contudo, o jovem reinante do Brasil, pequeno demais para um domínio tão vasto e tão complexo, sinalizou com um leve aceno de mão que pretendia falar com o negro Rafael, antigo homem de confiança de seu pai na Guerra da Cisplatina, e agora seu fidedigno protector, que aguardava escrupulosamente à entrada da sala por determinações do seu menino e senhor.
Murmuradas entre ambos, sumárias sentenças, imperador e imperado desceram vagarosamente as escadarias de acesso à entrada principal do palácio; em breve se lhes juntariam diversos membros da corte, entre os quais a princesa dona Januária, dona Francisca Carolina, dona Mariana Magalhães, perceptora dos infantes, e as amas de companhia das princesas: dona Joaquina, dona Sebastiana Meirelles Bastos, condessa de Maximinos, e dona Ana Valentina Faria, marquesa de Fafe. A par da família imperial, dos cortesãos mais chegadas e da corte mais alargada, aguardavam ainda pelo dignatário francês influentes homens de Estado, como o ministro da Justiça, Bernardo Pereira Vasconcelos, o ministro da Fazenda, Miguel Calmon, o ministro dos Estrangeiros, Maciel Monteiro, o ministro da Guerra, Sebastião Rego Barros, o ministro da Marinha, Joaquim José Rodrigues Torres, e o marquês de Olinda, Pedro Araújo Lima, Regente Uno do Império, por menoridade de Pedro II do Brasil». In Maria João Gouveia, A Princesa Boémia, 2013, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-862-626-4.

Cortesia Topseller/JDACT