domingo, 9 de outubro de 2016

Aprendizagem. O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «O infante Henrique não era decerto o eremita visionário que se vê nos quadros, mas sem a sua vontade e determinação…»

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O impulso dos Descobrimentos foi dado por um homem ou por um colectivo?
«(…) Trata-se de visões distintas da mesma realidade, de opções pedagógicas que destacam determinados aspectos, tidos como mais relevantes: antes de 1974 era preciso, de algum modo, destacar a especificidade portuguesa, assinalar o que distinguira Portugal e o conduzira ao caminho da expansão ultramarina, de algum modo justificando a situação colonial do momento, também ela uma prova de que os Portugueses eram diferentes dos outros impérios coloniais; para isso, nada melhor do que realçar datas-chave e pulsões nacionais, a vontade de descobrir, a bravura, o dilatação da fé, etc., e os nomes que as consubstanciavam e tornaram realidade. Vinte anos depois, pelo contrário, tentava-se mostrar que a expansão portuguesa fizera parte de um movimento global, de uma etapa do avanço do conhecimento ocidental, e fora moldado por condicionantes técnicas, materiais e sociais; Portugal movia-se, ontem como então, num espaço e num contexto europeu e não numa aventura solitária. Muito curiosamente, o discurso oficial dos nossos dias é diferente, mas nem por isso menos artificial; na realidade, tende a fundir as duas facetas: fala-se e exalta-se a forma heróica, destemida e voluntariosa como caminhámos sobre o mar (como afirmou recentemente uma ex-governante), agindo em sentido colectivo pela abertura de novos caminhos e pela inauguração de uma era de prosperidade, talvez como estímulo e motivação para os tempos actuais, mas não se referem nomes nem se mencionam personalidades em concreto, não só porque soa algo salazarista estar a invocar o infante Henrique, mas também porque se tende a considerar que todos, sem excepção, desde o marinheiro anónimo ao monarca, do piloto experiente ao fidalgo que desprezava o mar e o comércio, desempenharam o seu papel sem fricções, oposição ou contracorrentes à aventura ultramarina. Criar uma oposição artificial entre as acções individuais de um pequeno número de figuras, as condições materiais do Portugal do século XV que as sustentaram ou o apoio social que as tornou possíveis num determinado momento e oportunidade não faz realmente muito sentido. O infante Henrique não era decerto o eremita visionário que se vê nos quadros, mas sem a sua vontade e determinação, para não dizer teimosia incorrigível, é possível que o rumo dos acontecimentos tivesse sido bem diferente; o infante Pedro não foi um mero instrumento das aspirações do povo de Lisboa, mas o apoio social que recebeu foi imprescindível para os avanços que se verificaram durante a sua regência. A História-passado foi, quase sempre, mais caprichosa do que a História-conhecimento atinge; esta não passa, afinal de contas, de uma aproximação grosseira e tosca a uma realidade complexa, tão complexa quantas as pessoas que dela fizeram parte.

Porque não dominaram os Portugueses as Canárias?
O arquipélago das Canárias está fora do imaginário que envolve os Descobrimentos portugueses, sendo algo associado exclusivamente a Espanha. De facto, pelo famoso Tratado de Alcáçovas-Toledo, Portugal desistiu de qualquer pretensão sobre as ilhas, que foram definitivamente atribuídas a Castela. O ego nacional omite os reveses e prefere, naturalmente, assinalar o que foi obtido em contrapartida: a exclusividade da exploração de todo o continente africano a sul do arquipélago. Sobre o que ocorreu anteriormente, a memória colectiva não reteve praticamente nada. Nos últimos anos, as Canárias mereceram menção na imprensa nacional por dois motivos: pelos grandes incêndios florestais que devastaram várias ilhas, no Verão de 2007, e por ter sido o local de retiro e de residência de José Saramago (mais especificamente, a ilha de Lanzarote), onde morreu em 2010». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de EdosLivros/JDACT