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João V, pode dizer-se, tinha uma compulsão por freiras e monjas. Sofria dum
impulso incontrolável para o rompimento da clausura das virgens do Senhor,
financiava escandalosamente esses amores entre o máximo representante do poder
temporal e algumas humildes intermediárias entre o céu e a terra e não parecia
particularmente preocupado em escondê-los do olhar atónito do país. Era o rei
já cliente habitual do Convento de Odivelas quando por lá apareceu, certa vez,
uma nova irmã. Era jovem, bela e chamava-se Paula Teresa Silva Almeida.
Fulminado por tão encantadora visão, uma pequena deusa descendo dum coche,
suspendendo a noite e cruzando a porta daquela santa casa nos arredores de
Lisboa, João exigiu de imediato o relatório completo acerca de quem fosse tão tentadora
criatura. Soube então que Paula tinha 17 anos, mas que era perigoso confundir
juventude com inexperiência. Na verdade, era já amante fixa de um nobre, o conde
de Vimioso. Mas um rei era um rei. Era preciso fazer-lhe a vontade e a vontade
deste rei em particular era que Paula fosse dele e de mais ninguém, em regime
de exclusividade. Encetadas as negociações com o conde, resolveu-se o assunto.
Paula
ficava para ele; Vimioso que encontrasse outros aconchegos. Talvez João V tenha
voltado a sentir aquela palpitação dos tempos da adolescência, junto a Filipa Noronha
e que nunca lhe aconteceu pela mulher, dona Maria Ana; ou talvez tenha sido
algo novo, que nunca experimentara. A verdade é que Madre Paula, como ficaria
para a História, se tornou não exactamente na sua amante única, mas, decerto,
na favorita. Os cerca de 30 anos que os separavam eram pormenor de pouca monta.
Não impedia que se encontrassem praticamente todas as noites, sempre em
Odivelas, de modo cada vez mais natural e com menos vontade de esconder aquele
frenético amor dos demais frequentadores de tão peculiar lugar de Deus. Era, ao
que se conta, uma relação de dar e receber. Paula, malgrado os votos, não via
mal em desfrutar de certos requintes do mundo material. Tinha um fraquinho por
presentes e deleites, prazeres vários e muito conforto. Não dizia que não a um
mimo, uma atenção, uma lembrança, porque, afinal, somos todos tão sozinhos
neste purgatório antes do céu que, enfim, seria até ingrato recusar o que se
nos oferece para aligeirar a dor. João satisfazia-lhe estas angústias e ela
retribuía tocando-lhe noutro dos pontos fracos: o apetite.
É que
o Convento de Odivelas era célebre por outras artes ainda, e Paula também se
apresentava nelas como uma superiora: a doçaria. Tornou-se famoso, naqueles dias,
o pudim da Madre Paula. E, para além dele, também os toucinhos-do-céu, os
suspiros e os ladrilhos de marmelada (aos quais, consta, o rei era
especialmente afecto). Em 1736, preocupado com a longevidade desta relação e
com o poder crescente que a freira-amante parecia exercer sobre determinadas
decisões políticas do rei, Bartolomeu Gusmão, o padre-voador, viaja até Setúbal
para se encontrar em segredo com as salemas, bruxas a quem se atribuíam poderosos
contactos com o sobrenatural. Com elas, Gusmão terá delineado um plano para lançar
um feitiço que pusesse termo àquela adoração votada por João V a Madre Paula. Já
não pedia que deixasse de frequentar conventos, mas que, pelo menos, trocasse de
irmã, frequentasse o quarto de outra, porventura ainda mais jovem e mais bela,
mas o projecto fracassou. Descoberta a maquinação, as bruxas mulatas foram
perseguidas e condenadas; Gusmão escapou, mas, mais tarde, teria de fugir para
Espanha, com a Santa Inquisição (maldita) à perna por causa dos seus planos
de voar lá em cima, onde só Deus Nosso Senhor podia bailar. De modo que o romance
prosseguiu, na paz dos anjos, enquanto o reino se afundava». In
Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas,
2012, ISBN 978-972-46-2131-9.