Cortesia
de wikipedia e jdact
«Vais pela estrada que é de terra amarela e
quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua
direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois
encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma
sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus
ombros, mas conduzida por uma luz levíssima (...) Até chegares às muralhas
antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas
pequenas ruas estreitas, direitas e brancas (...) E olha bem o branco, o puro
branco, o branco da cal onde a luz caia direito». In Sophia de Mello Breyner Andresen, Caminho da manhã.
«Conhecida
por ter Badajoz à vista, a história de Elvas durante muito tempo era
quase que exclusivamente lembrada quando se tratava de glorificar o papel desta
cidade durante o período da chamada Guerra da Restauração. Contudo, esta terra
de fronteira e de fronteiras teve, durante o período medieval, uma existência e
uma dinâmica que têm passado algo despercebidas. Da sua fundação quase nada se
sabe e a sua integração na coroa portuguesa ainda hoje se reveste de contornos
que se não dominam com toda a exactidão. Integrada num território onde não
faltam as marcas de ocupações muito antigas, localizada junto a um dos mais
importantes rios do sul ibérico, o Guadiana, a cidade de Elvas situa-se numa
zona de cruzamento de caminhos e civilizações. Desde tempos pré-históricos que
o seu território sentiu o pulsar do movimento dos povos a quem não foi
indiferente o valor das suas terras e das suas águas. Porém, só durante o
período islâmico é que surge claramente identificada nas fontes escritas,
mantendo estreitas ligações com a cidade de Badajoz que vê crescer em frente de
si. A sua integração nas terras dos reinos cristãos que se expandem para sul separam
Elvas de Badajoz, colocando cada uma delas em reinos diferentes.
Vizinha
e por vezes rival, Elvas não deixará de ter o seu quotidiano marcado pela
proximidade com Badajoz que sempre estará à vista. É desta cidade de
fronteira e de fronteiras que agora se falará, tendo como ponto de partida uma
dissertação de mestrado em História Medieval com mais de dez anos. Muito mudou,
para melhor, em termos historiográficos. Apesar do tempo passado e das marcas
que esse tempo deixou neste texto, não há possibilidade de o alterar em tudo o
precisa de revisão. É um texto datado, que passou pelo atento acompanhamento de
Maria Ângela Beirante e pela crítica e arguição de A. Oliveira Marques. A ambos
estou grato, muito grato. Porém, algumas explicações redundantes foram
retiradas e houve actualizações que não se puderam ignorar. Os vários séculos
do período medieval cristão foram tratados sem perder de vista a compreensão
das continuidades e rupturas em relação ao período islâmico, sobretudo no que
diz respeito à paisagem urbana e ao quotidiano dos grupos humanos nela
assentes. Continuidades e rupturas essas que se sentem na vila de Elvas
a nível político, social e económico, mas também no que diz respeito ao
urbanismo, aos equipamentos urbanos e à sua importância estratégica. Algumas
dessas fontes são inéditas; outras foram já dadas a conhecer por eminentes
eruditos locais que, com uma grande e persistente dedicação, contribuíram de
forma inultrapassável para a divulgação da História e tradições de Elvas e da
sua região. Esta obra nunca pretendeu abarcar a totalidade dos aspectos de que
se revestiu o quotidiano da urbe e do território da Elvas islâmica e cristã até
ao século XV muito está ainda por estudar. Se este livro vier a ser útil para
as gerações futuras, como foram os eruditos elvenses de outrora para o autor destas
páginas, então terá cumprido o seu desígnio.
Enquadramento
geográfico
Fazendo
parte da região actualmente designada como Alto Alentejo, o território em redor
de Elvas possui características morfológicas e geológicas semelhantes às da
região em que se integra. Não deixa, porém, de sugerir algumas particularidades,
situação que não é de estranhar dado que o Alentejo tem sido perspectivado
geograficamente como mais que uma simples região (já se escreveu que o Alentejo
não é uma província, é um país, tal a
variedade de aspectos que nos apresenta). Por outro lado, o facto de o Alto
Alentejo (se Lautensach inclui Elvas no Alto Alentejo, Orlando Ribeiro, em
1955, introduz uma curiosa nuance, na medida em que, para este geógrafo, a
região de Elvas pertence ao Alentejo, embora dentro de uma unidade de paisagem
que denomina de Alto Alentejo), em geral, e a região de Elvas, em particular,
carecerem de aprofundados estudos de carácter geomorfológico (ainda recentemente
a geógrafa Suzanne Daveau considerava que o Alto Alentejo continua [a ser], em
conjunto, uma das regiões portuguesas menos estudadas do ponto de vista
geomorfológico) leva a que se coloque particular cuidado na caracterização de Elvas
e da sua região. É sobre um naco de Maciço Antigo moldado por uma erosão
intensa, onde dominam os suaves ondulados das peneplanícies, que se localiza a região
de Elvas [o interflúvio (...) que separa o Tejo do Guadiana, apresenta
paisagens variadas, onde formas suavemente abauladas são dominadas por colinas
e serras circunscritas, geralmente alinhadas de NW para SE]. Mas essa
antiguidade, em termos geológicos, de grande parte das suas terras, não
significa que não tenha conhecido novidades. De facto, a região em que se
insere Elvas, sob o ponto de vista geológico, é de grande riqueza e variedade. A
complexidade geológica da região deve-se também ao facto de a grande falha
tectónica que atravessa o Alentejo também por aqui passar [a grande falha da
Messejana que atravessa todo o Alentejo numa diagonal ascendente,
sensivelmente no sentido SW-NE (e que desde Odemira se prolonga até cerca de
Ávila, em Espanha), passa junto a Elvas, dotando esta zona de uma maior complexidade
e riqueza geológica], considerando-se provável que a dita falha (detectada a
cerca de 3 Km para SW e a cerca de 6 Km para NE) atravesse o próprio núcleo
urbano. Parte do subsolo urbano e uma grande mancha em seu redor são ricos em
rochas eruptivas (destas rochas eruptivas destacam-se os gabros anfibólicos e
piroxénicos, para além de ante-estefanianas). Entre Elvas e os campos da
vizinha Espanha há semelhanças evidentes. Se as formações geológicas que se
encontram ao longo do curso médio do Guadiana são idênticas junto a Elvas e a
Badajoz, também no caso das formações do período Câmbrico do sistema da Era
Paleozóica, essas mesmas formações continuam para Espanha». In Fernando
Branco Correia, Elvas na Idade Média, Edições Colibri, CIDEHUS, Universidade de
Évora, 2013, ISBN 978-989-689-365-1.
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EColibri/JDACT