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A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa
até ao final do reinado de Dinis I
«(…)
De tudo o que fica dito, parece-nos importante reter que a Ordem Militar de
Avis foi criada pelo primeiro monarca português para o servir nomeadamente no
que diz respeito à guerra contra os muçulmanos. A atitude de Afonso Henriques,
aparentemente simples, levanta-nos no entanto algumas questões, sobretudo no
que se refere à filiação de Avis em Calatrava. De facto, a ligação de um corpo
militar português (ou pelo menos que se pretendia sob controlo do rei) a um
congénere de Castela (também ele ligado à monarquia castelhana) podia aparecer
como um factor perigoso em caso de guerra entre os dois reinos. Cremos, no entanto,
que o monarca procurou assegurar a neutralidade de Calatrava num possível
conflito (através da concessão de vários benefícios a uma milícia dela
dependente), ao mesmo tempo que, dando a Avis uma regra cisterciense,
assegurava uma política de povoamento e defesa dos lugares conquistados. De um
modo geral, os sucessores de Afonso Henriques consideravam que a Ordem estava
ao seu serviço. E enquanto a Reconquista foi um facto, a milícia respondeu como
devia aos apelos dos reis, enquanto aumentava, paulatina mas firmemente, o seu
património. Expulsos os mouros do território nacional (bem como do lado
ocidental da Andaluzia, onde os cavaleiros de Avis também estiveram presentes),
a Ordem vai procurar actuar politicamente, sobretudo no que respeita ao
relacionamento com Castela (como aconteceu a propósito da jurisdição do
Algarve), conseguindo desse modo assegurar a concessão de benesses por parte
dos diferentes monarcas. Com uma força económica cada vez mais forte, e talvez
com uma também cada vez maior consciência da protecção que a dependência em
Calatrava lhe proporcionava, a Ordem de Avis surge aos olhos dos nossos
primeiros monarcas como uma instituição capaz de assegurar o relacionamento
político militar com a monarquia vizinha. Daí os esforços empreendidos pelos diferentes
reis, nomeadamente por Dinis I, para a eximir da ligação a Calatrava (a
primeira confirmação de um Mestre feita não por representantes da milícia
castelhana, mas pelo arcebispo de Braga com autorização papal data de 1330,
pouco tempo depois da morte do Lavrador), e por exercer de uma forma
cada vez mais apertada um controlo sobre a actuação da Ordem.
A eleição do Mestre de Avis nos séculos XIII-XV
Há
já alguns anos que as Ordens Militares têm despertado o interesse de um grande
número de investigadores. No entanto, na bibliografia até agora surgida têm
vindo a ser privilegiadas análises da evolução geral das diferentes instituições
e do seu posicionamento em relação a questões político económicas concretas, e
não tanto, embora não o esquecendo, o estudo da orgânica de cada milícia e da
vida, espiritual ou não, dos freires. No que respeita à Ordem de Avis, que ao
longo dos últimos anos tem sido objecto da nossa investigação, para além da
documentação relacionada com o seu património, apenas um pequeno número de
diplomas permitem uma abordagem ao modo como os diferentes cargos e dignidades
se articulavam, assim como a importância dada a cada um deles pelos cavaleiros.
De facto, uma análise superficial dos documentos que o Cartório de Avis
encerra, pouco mais permite saber do que o nome dos que de algum modo se
relacionaram com a Ordem e dos cavaleiros que tiveram a dignidade de Mestre
e/ou Comendador ou um dos cargos administrativos e que, por qualquer motivo,
viram plasmada no pergaminho alguma referência à sua actuação.
No
conjunto dos trabalhos até hoje efectuados sobre a Ordem de Avis, há um aspecto
que desde sempre chamou a atenção tanto dos historiadores nacionais como
estrangeiros. Trata-se da filiação da Ordem de Avis em Calatrava ocorrida
provavelmente nos primeiros anos de existência daquela, em data que não nos foi
possível determinar com exactidão. É, no entanto, ponto assente que essa
filiação se traduziu pelo menos em visitas, ao longo dos séculos XIII e XIV,
da Ordem castelhana à milícia portuguesa. E se para alguns casos apenas
possuímos umas poucas referências indicativas da presença de freires
calatravenhos em território nacional, tanto no convento de Avis como fora dele,
conhecemos com relativo pormenor as visitas de 1238, 1342 e 1346. Ao contrário
desta última, que teve como objectivo único corrigir a conduta de um comendador
a pedido do próprio mestre de Avis, as duas outras visitas estão relacionadas
com as eleições dos cavaleiros que exerceram a dignidade mestral naquela
milícia a partir das datas indicadas (respectivamente 1238 e 1342). Os
elementos que ambas nos fornecem, tal como algumas referências contidas numa
visita de Gonçalo Pereira, arcebispo de Braga, em 1330 e em alguns diplomas
relativos à eleição (em 1387) e confirmação (datada de 1390) do mestre Fernão
Rodrigues Sequeira, nomeadamente uma petição do Prior do Convento a Urbano VI para
que confirmasse o mestre eleito em 1387, permitiram-nos reconstituir o processo
que conduzia à eleição e investidura no cargo de um novo Mestre na Ordem de
Avis. Antes de expor as questões que a documentação referida nos fez levantar,
pensamos que será importante descrever, de uma forma sucinta, o cerimonial que
envolvia o acto eleitoral». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Cortesia
da Faculdade de Letras do Porto/JDACT