segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Governar a cidade e servir o rei. A oligarquia concelhia de Évora em tempos medievais (1367-1433). Joaquim Bastos Serra. «Não se estranha que seja ainda hoje difícil levar a cabo estudos comparativos sobre os grupos dirigentes municipais…»

Cortesia de wikipedia e jdact
«A tese tem como fulcro o estudo do grupo ligado à administração municipal da cidade de Évora, no período compreendido entre 1367-1433. Procurou-se caracterizar socialmente esse grupo e analisar as suas estratégias de manutenção e de reprodução do poder, avaliando-se, em paralelo, o peso e a importância que o controlo dos cargos municipais assumia nas suas lógicas de afirmação, no contexto da cronologia escolhida. O trabalho em causa pretende, assim, ser um contributo para o aprofundamento do tema das oligarquias municipais portuguesas na Idade Média, as quais continuam, ainda, a ser pouco conhecidas, apesar dos estudos já existentes. De facto, os dirigentes municipais ficaram um pouco à margem do surto prosopográfico que, nas últimas décadas, foi revelando os quadros sociológicos das instituições. Esse tipo de estudos centrou-se, sobretudo, no Desembargo Régio e nas instituições religiosas, só lateralmente chegando às administrações municipais. Com efeito, para além do estudo de Adelaide Costa sobre as vereações e os vereadores do Porto e do trabalho de Mário Farelo sobre a oligarquia concelhia de Lisboa, existem apenas artigos pontuais sobre os dirigentes de alguns municípios, como é o caso de Loulé, Ponte de Lima, Vila do Conde e outros, assim como referências genéricas à administração municipal em estudos monográficos sobre vilas e cidades. Muito falta ainda saber sobre as realidades sociológicas das administrações concelhias concretas, para o período medieval. Não se estranha, por isso, que seja ainda hoje difícil levar a cabo estudos comparativos sobre os grupos dirigentes municipais para a realidade portuguesa. As razões que justificam um tal estado de coisas serão, decerto, de natureza diversa, mas não deixam de se prender com as próprias características da documentação municipal que chegou até nós. Como se sabe, esta é, de um modo geral, bastante fragmentada e muito dispersa, tornando difícil acompanhar percursos e reconstituir os grupos dirigentes, sendo que, em muitos casos, a informação disponível nem sequer permite identificar os elencos camarários com níveis mínimos de sequencialidade.
Muito embora nos tivéssemos debatido com o mesmo tipo de problemas, a documentação eborense, pelo seu volume e qualidade, permitiu-nos equacionar a possibilidade de levar por diante um estudo desta natureza. Para além da riqueza dos arquivos das diversas instituições da cidade, onde foi possível recolher dados preciosos sobre os homens e as famílias ligadas à governação, Évora possui uma documentação municipal de algum significado, que conta com fontes de inegável valor. É o caso, nomeadamente, d´O Livro das Posturas Antigas, que, apesar dos múltiplos problemas de datação que coloca, nos deixa imensa informação sobre o que podemos designar de poder municipal em exercício, dos inventários do arquivo e dos bens municipais, bem como do Regimento da cidade de Évora. Este é um documento único para o panorama nacional, em que se sistematizam os cargos e as funções e se traça um quadro de situação da administração municipal da cidade num dado momento. Muito embora a informação que chegou até nós esteja longe daquela que gostaríamos de ter, o aproveitamento exaustivo dos dados e a sua sistematização, a partir dos métodos prosopográficos, tornou possível realizar uma caraterização sociológica minimamente consistente do grupo que dirigiu os destinos eborenses. Importa vincar que o estudo beneficiou também do facto de a realidade da cidade e das suas instituições ser, hoje, relativamente bem conhecida, fruto da diversidade e da qualidade dos estudos que se têm debruçado sobre a urbe no período medieval. Entre outros, importa destacar, pela importância que assumiram para o nosso estudo, os trabalhos de Ângela Beirante, a quem se deve o estudo de fundo sobre a cidade nos tempos medievos, complementado com uma multiplicidade de artigos de grande interesse. De relevo, para a problemática em causa, são também os trabalhos de Hermínia Vilar, historiadora que se debruçou sobre a diocese eborense e o seu quadro humano, na sua dissertação de doutoramento, que teve, para nós, grande utilidade pela interligação que existia entre as elites municipais e as eclesiásticas. Esta autora tem vindo também a fazer múltiplas reflexões sobre as elites locais eborenses em comunicações e artigos que são incontornáveis quando abordamos as questões relativas aos dirigentes municipais da cidade. Aos estudos já referidos, podemos acrescentar a tese de doutoramento de Filipa Roldão sobre o arquivo municipal de Évora e as suas formas de organização. É justo referir, ainda, a importância que o Projeto Elites locais e redes clientelares, desenvolvido pelo CIDEHUS-UÉ, no início deste século, assumiu, quer na definição dos conceitos e das problemáticas relativos ao estudo das elites locais, quer no afinar das metodologias mais adequadas para levar a bom porto investigações que são, pela natureza do seu objeto, algo fugidias e complexas». In Joaquim Bastos Serra, Governar a cidade e servir o rei. A oligarquia concelhia de Évora em tempos medievais (1367-1433), Tese de Doutoramento em História, Universidade de Évora, IEM, Revista Medievalista, Nº 20, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/FCSH/NOVA/FCT/JDACT