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Assim, aos 7 anos de idade, a infanta Carlota terá testemunhado como a sua mãe
tentava derrubar o sogro, para colocar no seu lugar um marido que,
aparentemente, se deixava controlar por ela. Um acontecimento que terá deixado
a sua marca na mente da pequena infanta, sobretudo porque é provável que ela se
sentisse de alguma forma relacionada com essa trama. É possível que Maria
Luísa, num momento de tensão, tenha expressado com veemência que o conde de
Floridablanca não fazia nada em relação aos planos matrimoniais de Carlota,
enquanto gastava as suas energias na sua prima florentina, uma arquiduquesa da
casa dos Habsburgo, tradicional adversária dos Borbón, os quais tinham ocupado
o seu lugar no trono de Espanha. Esta rivalidade também terá deixado uma marca
em dona Carlota. Não é necessário ser-se especialista em psicologia infantil para
compreender o papel que desempenharia naquela intriga palaciana. Vinte e três
anos depois, a infanta iria comportar-se de forma bastante parecida com a da
mãe, mas para tentar derrubar o marido e não o sogro.
Em
1782, no mesmo ano em que o padre Filipe começou a dar a Carlota lições de
geografia e de história, disciplinas fundamentais para a sua posterior acção política,
o seu futuro marido foi armado cavaleiro da Ordem de Cristo, a mais importante de
Portugal. Os padrinhos foram o seu irmão mais velho, José, príncipe do Brasil, e
o duque de Lafões. Aos 15 anos, o infante João era um rapaz muito tímido que não
tinha causado boa impressão ao embaixador francês acreditado na corte de Lisboa,
se bem que convém não esquecer a este respeito o ressentimento que este diplomata
sentia em relação à família real portuguesa desde que a avó deste infante, a falecida
dona Maria Ana Vitória, o tinha preterido em benefício do seu colega espanhol. No
entanto, é provável que os seus comentários depreciativos sobre João não se
devessem tanto à antipatia que sentia pela rainha, como ao interesse de desprestigiar
o seu neto aos olhos das outras cortes como candidato matrimonial, perante o compromisso
cada vez mais iminente deste infante com a neta do rei Carlos III de Espanha.
Ao fim
de alguns anos de casado, o príncipe do Brasil, então com 21 anos, não tinha conseguido
que a sua mulher e tia, dona Maria Benedita, de 36, engravidasse. Naturalmente,
toda a responsabilidade era atribuída à mulher, a qual não deixava de tomar banhos
termais sempre que podia, com a finalidade de favorecer a fertilidade. Daí a
tenacidade com que a mãe do príncipe, a rainha dona Maria, através do marquês
de Louriçal, continuava com as negociações matrimoniais de João com a
arquiduquesa florentina. E também o empenho da soberana portuguesa em conseguir
que a educação do seu segundo filho estivesse à altura das circunstâncias, como
tinha acontecido com o primeiro. Em todo o caso, embora não existam muitos dados
a esse respeito, as características da formação recebida por este infante segundo
não deverão ter sido tão rudimentares como uma opinião maioritária tem vindo a
crer.
Aceita-se
geralmente que a educação de José, organizada pelo próprio marquês de Pombal, estava
à altura das melhores que podia receber o herdeiro de uma antiga monarquia,
durante os anos mais fecundos do Iluminismo, que viram um ressurgir da formação
intelectual dos príncipes destinados um dia a reinar. Assim, será pouco verosímil
pensar que uma mente tão previdente e organizada como a daquele ministro, excelente
planificador, descuidaria a educação de um infante que, por decisão do destino,
poderia ser chamado a subir ao trono. Ninguém podia descartar a hipótese de o príncipe
do Brasil morrer, e ainda menos num período em que a varíola provocava danos
entre as famílias reais mais importantes da Europa. Algumas fontes mencionam
que João recebeu naquela altura lições de matemática do professor Miguel Franzini,
um italiano que em 1772 tinha recebido o grau de doutor na Faculdade Reformada de
Coimbra, e que tinha sido imediatamente incorporado no quadro de professores da
Faculdade de Matemáticas, e que anos antes já teria dado aulas a José. Segundo a
tradição, o infante João aproveitou melhor as lições de filosofia, teologia e humanidades
que lhe deu o oratoriano Manuel do Cenáculo, uma vez que estas matérias se adaptavam
melhor ao seu carácter melancólico e retraído, e que, segundo se conta, era desconfiado
até dos membros mais próximos da sua família, com a excepção, possivelmente, da
sua mãe, dona Maria». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O
Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009,
ISBN 978-989-626-170-2.
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