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«Este livro não aspira a ser mais que uma leve conversação com o leitor
sobre assuntos camilianos e, fundamentalmente, ainda um preito de veneração e
saudade que eu venho render à memoria do imortal Torturado de Seide». In
Alberto Pimentel, Trafaria, Maio de 1921.
«(…) Não me repugnaria
acreditar que Camilo Castelo Branco, frequentando abadessados e grades, tivesse
sido freirático por tradição ultraromantica e génio aventuroso, nem que as
freiras que ainda fossem atraentes e as seculares que fossem belas pudessem ter
colaborado com ele em algum escândalo conventual, como tantos houve, desde
sempre, em todo este nosso país, tão fradesco e santeiro. Admitiria sem custo
que o romancista fosse informado por dona Isabel Cândida quanto a episódios
amorosos dos mosteiros do Porto, como a efémera Maria José, irmã mais nova de dona
Ana Plácido, lhe contou a história de uma tentativa de rapto no Recolhimento de
Nossa Senhora da Esperança. Mas o que eu não admitia era a possibilidade de
Camilo se ter rendido aos encantos negativos de uma freira durázia e feia e de ela
ter perdido a cabeça a ponto de quebrar os seus votos, quer introduzindo Camilo
no convento ou saindo a ares para conviver clandestina e temporariamente com
êle. E, porque não admitia a possibilidade destes factos, fiquei surpreendido
quando, há alguns anos, o venerando homem de sciencia e de letras, que é o dr.
Maximiano Lemos, me dava a conhecer a hipótese de ter havido mais do que
quaisquer conversações de parlatorio entre Camilo e a freira dona Isabel
Cândida.
Respondi que eu o não
cria, porque a freira nem era bonita nem coquette, e que nunca tal coisa
ouvira dizer a meu pai, que como médico assistente entrara muitas vezes no
convento da Ave Maria, nem a qualquer outro velho portuense o ouvira jamais
contar. Mas pedi ao dr. Maximiano Lemos que se dignasse comunicar me o que a
tal respeito soubesse ou fosse descobrindo, como já tinha feito sobre certos
achados camilianos que uma aturada investigação lhe facultava. Vou trasladar
alguns trechos de cartas de s. exª especialmente
reportados ao caso da freira dona Isabel Cândida. Ouvi dizer a pessoa que muito
conviveu com o Camilo que o cónego Alves Mendes viu na camara eclesiástica um
processo relativo ao encontro de Camilo dentro do convento da Ave Maria, e que
esse facto se relacionava com essa freira. (Carta de 11 de Janeiro de 1917). Deve
ter extranhado o meu silencio acerca da freira. O caso explica-se porque tenho
tido empenho em satisfazer a nossa curiosidade, mas as minhas diligencias
nenhum resultado teem dado. Na camara eclesiástica evidentemente não ha que
pensar, os documentos do convento não tenho meio de lhe pôr a vista em cima por
não conhecer o conservador do registo. De resto, a informação que recebi foi que
o Alves Mendes tinha visto o processo na camara eclesiástica. Um colega meu é
casado com uma senhora que esteve alguns dias no convento quando tinha 11 anos
e disse ela ao marido que ali estava uma freira com quem se dizia que o Camilo
tinha relações intimas em demasia. Não pode, porem, lembrar-se do nome dela. (Carta
de 5 de Fevereiro de 1917).
Acerca desta ultima (a
Freira) foi o Ricardo Jorge que me disse a informação colhida da boca do Alves
Mendes. Não lhe será difícil encontra-lo em Lisboa donde me não consta que
tenha saido. Quando mesmo a informação do Alves Mendes seja exacta, não vejo
meio de se proceder a pesquisas na camara eclesiástica. (Carta de 17 de Março
de 1917). Até hoje não pude
descobrir o processo da camara eclesiástica. Em compensação encontrei o
processo que lhe moveu o Novaes dos Óculos ou Novaes da Pátria. Também encontrei
a coleção da Pátria em que o grande escritor, que ainda o não era, é violentamente
atacado. Num dos artigos deste periódico ha referencias a uma ligação com uma
freira que vivia enclausurada, o que talvez se refira a outra mulher que não a
educadora da filha. (Carta de 11 de Novembro de 1917) Conquanto não digam
respeito á freira do convento da Ave Maria, transcreverei desta mesma carta as
seguintes palavras, que eu muito aprecio porque as ditou um autorizadissimo
camilianista, sábio professor e plumitivo: se V. residisse no Porto e eu fosse
a Lisboa, teriamos assuntos para cavaquear e que para mim seriam
interessantíssimos, porque V. poderia valorizar o que vou encontrando. Penso
que um trabalho sobre a mocidade de Camilo no Porto seria cheio de revelações
pelas contradições, incoerências e hesitações do escritor. Ora isto só V. o
pode fazer, pelo conhecimento do meio e pelo conhecimento do Camilo. O dr.
Maximiano ainda relativamente á Freira me comunicou em carta de 1 de Dezembro
daquele mesmo ano de 1917: o processo a que se referiu o Alves Mendes não
existe na camara eclesiástica, onde dizia ao Ricardo Jorge que o tinha visto. Procurou
se com vontade de o encontrar, mas a diligencia foi baldada. Ficamos apenas com
o que escreveu o Novaes Vieira em 1856 acerca da freira enclausurada». In
Alberto Pimentel, O Torturado de Seide, Camilo Castelo Branco, Livraria Manuel
dos Santos, Lisboa, 1921.
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