domingo, 20 de novembro de 2016

Aprendizagem. O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «Gil Eanes, a quem a lentidão do progresso irritava e que desprezava as superstições, decidiu averiguar o que, na realidade, se encontrava a sul do Bojador»

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Porque não dominaram os Portugueses as Canárias?
«(…) Esta chegou, finalmente, em 1475, quando se declarou a guerra entre Afonso V e Isabel de Castela: de imediato, os Castelhanos deixaram de respeitar as proibições e as direticvas papais que concediam o exclusivo aos Portugueses e enviaram diversas expedições à Guiné, chegando mesmo a atacar e a saquear Santiago, em Cabo Verde. Foi, portanto, no sentido de garantir a exclusividade portuguesa nestas paragens, e reconhecendo que o domínio castelhano sobre as Canárias era uma realidade, que Portugal renunciou formalmente a qualquer pretensão a estas ilhas, no Tratado de Alcáçovas-Toledo, que pôs fim ao estado de guerra entre as duas coroas.

Porque só em 1434 foi passado o cabo Bojador?
Quando se fala do cabo Bojador como limite do mundo conhecido pelos Europeus até ao século XV, é comum surgirem várias ideias associadas: a de que existiria um conjunto de lendas e de superstições sobre monstros marinhos, o fim do mundo ou grandes perigos que esperariam os marinheiros que ousassem passar este marco, a de que a própria passagem seria muito difícil e perigosa ou, ainda, que Gil Eanes foi o primeiro a passá-lo, em 1434, e que era um destemido navegador. Durante muito tempo ignorado e mantido na sombra de Cristóvão Colombo, a quem se atribuía o mérito, quase exclusivo, de desbravar o Atlântico desconhecido, Gil Eanes emergiu lentamente do anonimato e obteve finalmente o seu lugar no panteão dos grandes navegadores do século XV. Passou, contudo, e talvez demasiado depressa, de anónimo a herói. Numa obra de divulgação histórica, diz-se que Gil Eanes, a quem a lentidão do progresso irritava e que desprezava as superstições, decidiu averiguar o que, na realidade, se encontrava a sul do Bojador. Na verdade, e segundo nos conta Zurara, Gil Eanes só passou o Bojador à segunda, e depois de fortemente admoestado pelo seu senhor, o infante Henrique. Fora-lhe atribuído o comando de uma barca, mas, na primeira tentativa, em 1433, escusou-se a passar o cabo e preferiu fazer o mesmo que os outros que o infante Henrique enviara anteriormente, ao longo de mais de uma década: fazer uma razia e capturar uns quantos escravos, nas Canárias, e regressar a Lagos. O que tinha aquele ponto da costa, então, de especial? Em primeiro lugar, a costa era inóspita em toda aquela extensão a sul de Marrocos, no actual Sara Ocidental, sem água nem vegetação; depois, era ideia assente entre os marinheiros de que havia ali baixios, ou seja, a água era pouco profunda, com correntes que impediam os navios de regressar. Nada se sabia sobre o que ficava além. Para quê arriscar, então, com tantas incertezas e tão pouco proveito?
Há notícias de, pelo menos, duas tentativas anteriores: a dos irmãos Vivaldi, nos finais do século XIII, e a do catalão Jaime Ferrer, em meados do século seguinte. O facto de nada se saber dos resultados destas viagens, e o fracasso da expedição dos Vivaldi era conhecido por toda a Europa, adensava evidentemente o mistério e não convidava a novas tentativas. Nada motivava a viagem; só a persistência de alguém suficientemente rico e teimoso para arriscar a perda de homens e navios permitiria superar as hesitações e cumprir o objectivo, de duvidosa utilidade e mérito, pensava-se, de passar o Cabo». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de EdosLivros/JDACT