sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de João IV. Maria do Carmo T. Pinto. «Como explicar esta posição de intolerância de Filipe II relativamente aos cristãos-novos? Marcas de intransigência de um monarca profundamente religioso?»

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«(…) Mas os cristãos-novos, contudo, não cruzaram os braços e faziam chegar a Roma os motivos do seu descontentamento. Quando Filipe II tomou conhecimento de um breve do papa que tratava, precisamente, das queixas apresentadas pelos cristãos-novos de Portugal, junto da Santa Sé, através de cópia que o Inquisidor-Geral lhe fez chegar às mãos, apressou-se, em carta datada de 23 de Dezembro de 1597, a aconselhá-lo a responder ao referido breve. Devia o Inquisidor-geral agradecer ao papa o facto de lhe ter dado a conhecer as referidas queixas para se na matéria houver que emendar ou concertar se fazer e, ao mesmo tempo, tranquilizá-lo, alertando-o para o facto de não dever ter essas queixas como verdadeiras (...) ante caluniosas, e para algum fim errado, conforme a malícia dessa gente, porque os oficiais do Santo Ofício (maldito) procedem conforme o direito canónico e com a misericórdia e brandura e ordem judicial que ele ordena, e que assim o deve Sua Santidade crer e ter por certo e não admitir nem dar audiência a semelhantes queixas pelo dano que se pode causar contra a autoridade dos ministros do Santo Ofício (maldito), que nesses Reinos é muita, e convém conservar-lha para mediante este ofício santo se conservar também a pureza da fé católica [em carta datada de 11 de Março de 1596, o conde da Vidigueira, vice-rei da Índia, era aconselhado a não se intrometer nas cousas do Santa Inquisição e as deixe correr no seu modo e forma ordinária e faça todo o favor e mercê em meu nome aos inquisidores e oficiais dele para melhor poderem fazer seu ofício como é justo e devido que seja (...). Uma vez mais, o monarca não deixava dúvidas sobre a opinião que formava dos cristãos-novos, mas, principalmente, manifestava uma posição clara de forte apoio ao Tribunal do Santo Ofício (maldito).
Em consonância com a opinião que deixava expressa nas indicações fornecidas ao Inquisidor-geral, relativamente à questão dos cristãos-novos, o monarca indeferiu o pedido de indulto e endureceu a sua posição não apenas ao excluir, em 1597, os cristãos-novos de cargos na Índia, como manifestando o desejo de que todos os delinquentes abandonassem Espanha, projecto a que a morte do monarca, em 1598, pôs fim. Como explicar esta posição de intolerância de Filipe II relativamente aos cristãos-novos? Marcas de intransigência de um monarca profundamente religioso? Pressões exercidas, junto do rei, pelo Tribunal do Santo Ofício cujo poder, como vimos, vinha sendo fortalecido e que gozava de um momento particularmente favorável de relação com o poder real? A verdade é que a Inquisição (maldita) viu os seus poderes reforçados e a atitude hostil demonstrada pelo monarca castelhano em relação aos cristãos-novos para além de promover uma aproximação entre ambos os poderes pode ter propiciado/criado condições a um aumento da repressão inquisitorial. Esta, sem dúvida, ocorreu durante o reinado de Filipe II. Quando Portugal perdeu a independência a actividade dos três tribunais instalados em território continental encontrava-se praticamente paralisada. À data, o Tribunal do Santo Ofício tinha atingindo, em termos de acção repressiva (no referente ao número de sentenciados), o seu ponto mais baixo, desde que fora instaurado em Portugal, encontrando esta realidade justificação, em grande medida, no perdão geral concedido aos cristãos-novos pelo monarca Sebastião I. A subida de Filipe II ao trono português marcou um momento de retoma progressiva e constante no campo da prática repressiva, por parte da Inquisição portuguesa que se prolongou até à sua morte, em 1598 (no caso da Inquisição de Évora, por exemplo, em 1598, o número de sentenciados atingiu praticamente o seu pico apresentando valores muito superiores aos da Inquisição de Lisboa, cuja curva de evolução repressiva registou, durante o referido período, algumas hesitações no seu crescimento, e também mais elevados dos registados pela Inquisição de Coimbra)». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia de UAberta/JDACT