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Por isso continuou este rumo durante três longos anos até que surgiu um inimigo
fora de Roma, o novo rei de Itália, com quem os seus inimigos dentro das muralhas
se poderiam aliar. Este novo rei era muito pior do que o outro. O seu nome era Berengário,
duque de um dos velhos ducados lombardos, que lutara à sua maneira pelo poder
com os meios habituais de assassínio e traição, e se mantinha no poder com os habituais
bandos de semibandidos, que o apoiariam enquanto tivessem nisso vantagem. O reinado
começou com assassínio e continuou com uma violência e uma profunda avidez que
superou até o reinado de Hugo da Provença. Acerca da mulher de Berengário,
Liudprand observou causticamente que era apenas a personalidade da filha que lhe
roubava o título de pior mulher viva. A sua avareza era insaciável: as damas da
corte aprenderam a aparecer diante dela sem jóias, pois o que cobiçava pedia
imediatamente.
Durante
algum tempo, após a sua coroação, Berengário pilhou o Norte de Itália; depois, inevitavelmente,
começou a dirigir-se para Sul, atraído, como todos, por Roma. O exército que o apoiava
parecia-se mais com um bando de salteadores do que o exército de um rei, mas os
que o compunham eram lutadores vigorosos, pensando no saque, que todos acreditavam
haver na cidade. A agradável carreira de João suspendeu-se subitamente. Atrás de
si, cidadãos à beira da desordem; perante si, um inimigo implacável que era também
um soldado hábil. O manto de príncipe caiu-lhe dos ombros, revelando apenas um jovem
amedrontado, cujo único pensamento era salvar a vida e se possível os seus prazeres.
Agora era apenas príncipe em título; mas ainda era papa, e como chefe supremo da
Igreja Cristã podia apelar aos mais profundos e nobres instintos de todos os seus
filhos. No ano de 960, João chamou em seu auxílio o imperador Otão da Saxónia.
A vinda
do Imperador
Mais
de 150 anos tinham passado desde que Carlos Magno fora coroado imperador do Ocidente
pelo papa Leão III. Durante século e meio, a coroa do império tinha-se tornado o
vil pretexto para uma guerra de facções, um título vazio, a que até Marózia e Hugo
aspirariam. Todavia, ainda subsistia a memória do nobre pacto feito nesse distante
dia de Natal, quando as nações em guerra na Europa haviam sido de novo unidas sob
um único líder. A unidade não sobrevivera a Carlos Magno, mas a partir daí os homens
olharam para o Império Carolíngio como uma Idade de Ouro perdida. Sabia-se que o
bispo de Roma podia criar um senhor supremo da Europa que traria a Lei e, com ela,
a paz. Contudo, quando um verdadeiro grande rei, Otão da Saxónia, surgiu na Alemanha,
foi como se pisasse um palco que estivera mais de cem anos à espera do seu protagonista.
Encontrou a Alemanha dividida em cinco grandes ducados, racialmente distintos: fundiu-os
num só e impôs-se como chefe.
Otão
não se podia reclamar descendente de Carlos Magno, pois sendo Saxão nem era do mesmo
povo. Mas, como o grande antecessor, o poder pessoal superaria os argumentos
dos juristas, e para alcançar o seu fim, o restabelecimento do Império Carolíngio,
reencenou a coroação de Carlos Magno. Recebeu a coroa alemã na linda igreja circular
que Carlos Magno tinha construído em Aachen e deram-lhe, sucessivamente, a espada
do grande monarca franco, o ceptro, a valiosíssima Lança Sagrada, a lança que trespassara
Cristo na cruz. A corte que organizou foi modelada segundo a de Carlos Magno, e
embora não se pudesse comparar em qualidades intelectuais, impôs-se todavia no seu
tempo como um rei jovem e poderoso, atraindo os mais diversos povos dos quatro cantos
da Europa. Entre eles estava o bispo lombardo de Cremona, Liudprand, cujas histórias
vívidas, a única orientação de confiança deste século de trevas, conservaram religiosamente
a memória de Otão como príncipe de todas as virtudes. Mas não foram as suas
pretensões intelectuais e imperiais que tornaram Otão grande aos olhos dos povos
para lá das florestas alemãs. Pretendentes imperiais eram algo comum e pretensões
intelectuais eram deixadas aos clérigos. O que ele fizera foi esmagar a ameaça terrífica
dos Hunos que haviam ensombrado a Europa durante mais de uma geração». In Russel Chamberlin, The Bad Popes, Sutton
Publishing, 1969, Papas Perversos, Edições 70, Lisboa, 2005, ISBN
972-44-1207-5.
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