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Sisto
V, o papa implacável que transformou Roma
«(…)
Foi nomeado inquisidor-mor em Veneza. O seu rigor implacável e a sua incorruptibilidade
fizeram com que da Sereníssima chovessem rogos ao papa, em Roma, para que o chamasse,
tal era a vontade de se livrarem dele. Veneza livrou-se de Peretti, mas Roma
ganhou um papa implacável, em 1585, que adoptou o nome de Sisto V. O seu pontificado
foi curto, durou apenas cinco anos, mas é caso para dizer que foram cinco anos muito
intensos... Foram cinco anos que mudaram Roma. Começou por atacar o crime. Larápios,
malfeitores, prostitutas, tudo era considerado como delito grave, e a ponte de Sant´Ângelo
tornou-se pequena para tantas estacas com cabeças. Sabia que nenhum romano havia
de lhe erigir uma estátua, por isso ele mesmo tratou disso (não chegou aos nossos
dias, foi destruída pelos habitantes de Roma mal tiveram oportunidade). Depois,
virou-se para a arquitectura. A ele se deve a cidade moderna e cosmopolita que hoje
conhecemos. Traçou avenidas, rasgou colinas, alargou a cidade e melhorou os acessos.
Foi no tempo dele que se mudou o Obelisco do Vaticano para o local onde actualmente
está. Não esqueçamos que Felice Peretti foi papa apenas durante cinco anos. E
depois de reduzir o crime, sanear as contas, recriar uma cidade inteira..., virou-se
para a cúpula de São Pedro.
Em Junho
de 1588, o arquitecto da Basílica de São Pedro, Giacomo Della Porta, foi chamado
à presença do papa na Basílica de São Paulo Extramuros. O arquitecto não tinha boas
relações com Sisto V. Poucas pessoas tinham com um papa como aquele, tão rigoroso,
ambicioso e com uma vontade tão férrea de fazer acontecer o mundo. Sisto era um
homem difícil. O papa não gostava que a cúpula estivesse por concluir. Desde a morte
de Miguel Ângelo, em 1564, que não havia progressos. Della Porta era arquitecto
da basílica desde 1574 e, sem dúvida, o que mais progressos havia feito em todo
o edifício, excepto na maldita cúpula.
No chão
sagrado da basílica, o arquitecto estendeu um desenho da cúpula, mas Sisto nem
quis ver. Fez apenas uma pergunta: quanto tempo demora a concluir a cúpula? Della
Porta matutou na resposta. Se Deus ajudar, a correr bem e sem complicações, uns
dez anos. O papa ficou em silêncio durante algum tempo e depois ditou-lhe o prazo.
Tens trinta meses. Della Porta não reagiu. Ficou boquiaberto com o prazo ridículo.
Miguel Ângelo levara dezassete anos a construir o tambor, a base da cúpula. A basílica
já levava oitenta e dois anos de construção, diversos arquitectos, inúmeros papas,
e Sisto pedia-lhe que construísse a cúpula em trinta meses. Só podia estar a brincar.
Mas não estava. Naquele tempo, uma cúpula não era algo que pululasse nos tectos
das igrejas de Roma. Della Porta pediu para analisar os cálculos e as técnicas usadas
na cúpula da Catedral de Florença, executada por Filippo Brunelleschi, mas que era
mais pequena. Era a única do género que se conhecia e só levara dezasseis anos a
construir. O trabalho de Della Porta consistiu em inovar e inventar. Nunca ninguém
tinha tentado algo do género. Nem se sabia se seria possível. Trabalhou-se dia e
noite, sete dias por semana. Só havia uma hora de intervalo semanal, para a missa
dominical. A cúpula começou a crescer a olhos vistos, de dia para dia. Dos trinta
meses que Sisto V dera a Della Porta e aos seus homens foram usados apenas vinte
e dois. Em Maio de 1590, foi colocada a última pedra na maior cúpula alguma vez
construída pelo homem. Três meses depois, em Agosto, Roma via morrer um dos papas
mais empreendedores e voluntariosos da sua história, com uma vontade férrea e inabalável,
o guardador de porcos capaz de tornar possível o impossível. Morreu com a sua cúpula
concluída. Hoje, se visitarem o interior da Basílica de São Pedro e olharem para
cima, para a cúpula, podem admirar o trabalho de Giacomo Della Porta e ver uma
inscrição gravada no óculo do zimbório. S. PETRI GLORIAE SIXTUS PP. V.A. MDXC PONTIF.
V. (Para a Glória de São Pedro, Papa Sisto V no ano de 1590, o quinto do seu pontificado).
O
Obelisco do Vaticano
No
lugar onde hoje vemos e admiramos a Basílica de Júlio, mais conhecida como
Basílica de São Pedro, esteve, durante mais de mil anos, uma outra, a de
Constantino. Era muito mais pequena e, na altura, os habitantes de Roma não
gostaram nada de saber que iam demolir o mais sagrado monumento da Cristandade.
Devem ter sentido o choque e a indignação que, decerto, sentiríamos se decidissem
demolir a Basílica de São Pedro para construir outra no seu lugar». In
Luís Miguel Rocha, Obra Póstuma, Curiosidades no Vaticano, Porto Editora,
Porto, 2016, ISBN 978-972-004-811-0.
Cortesia
de PEditora/JDACT