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Recebido que houvera Pedro Alcântara, com a tenra idade de apenas cinco anos,
do pai demissionário o ceptro do Brasil, fora o governo do Império, de acordo
com a Constituição de 1824, confiado inicialmente à Regência Trina Provisória.
Ora, esta consistia numa regência de três autoridades, representativas das três
grandes vertentes políticas no país: os liberais, na pessoa do senador Campos
Vergueiro; os conservadores, representados por José Joaquim Carneiro Campos; e
os militares, através do general Francisco Lima Silva, mais conhecido por Chico
Regência. Na sequência das eleições que esta trindade tinha por obrigação convocar,
escolheu-se a Regência Trina Permanente, que seria composta por Bráulio Muniz,
Costa Carvalho, e pelo próprio general Chico Regência. Após três anos de
governo desta entidade, por influência do ministro da Justiça, o padre Diogo Feijó,
criara-se em 1834 o Acto Adicional, que entregava o poder a uma Regência Una,
com o regente Feiló a ser eleito como único regente por sufrágio universal. O
clérigo revelara-se um político democrático de cariz federalista, tenaz patrocinador
da descentralização das províncias brasileiras, as tais províncias que Francisco
Orléans fizera antecipadamente saber que queria conhecer de perto, instituindo
as Assembleias Legislativas provinciais e concedendo o estatuto de município neutro
ao Rio de Janeiro. Porém, a sua incapacidade de conseguir pacificar as
insurreições das urbes determinariam a sua substituição pelo jurista Pedro Araújo
Lima, marquês de Olinda, notoriamente adverso às po1íticas descentralizadoras do
seu antecessor e decididamente menos liberal.
Mas
era Pedro, o soberano criança, que na falda das reais escadas de São Cristóvão
se sobrepunha pelo seu majestoso porte, apanágio absoluto de quem assim nasce
ungido, pelos seus olhos azuis, e pela coroa de madeixas louras dos seus
cabelos de Saxe-Coburgo. E foi ao jovem imperador, sem dúvidas ou hesitações,
que o príncipe de Joinville se dirigiu, uma vez percorrida a ondulada estrada
que ligava o paço à orla do oceano. A aparição de Francisco Ferdinando arrancara
um coro de ais incontidos à delegação feminina, nomeadamente a dona Francisca
Carolina, que finalmente serenada nas suas divagações ingénuas e acriançadas,
não conseguia fechar a nobre boca. A ama, apercebendo-se da situação,
chamara-lhe mudamente a atenção, com uma pequena tocadela de cotovelo, a que a
princesa de pronto reagiu. O espanto das damas era sobejamente justificado: o
francês era a1to, e ainda mais alto parecia no seu escuro uniforme de gala da
marinha, pontuado de botões e galões dourados, de gola subida sobre a camisa branca
e a gravata preta, muito magro, de tez trigada pelo mar, olhos azuis, cabelos castanhos
lisos, bigode escuro aparado, e trazendo no sangue o porte dos Orléans e dos
Bourbon, que ainda mais o elevava acima da sua estatura. Solenemente trocadas
as devidas vénias reais entre as altezas americanas e europeia, e as
individualidades da política brasileira presentes, o príncipe de França sorriu.
Sorriu ao imperador, às senhoras, ao Brasil! Francisco era um jovem bafejado
pela beleza, de feições correctas e distintas, senhor de um trato agradável e
de uma inesperada graça na conduta; despido ainda, para sua maior vantagem, de
embaraços, e dotado de manifestos dons intelectuais. Avessa que estivera à
recepção ao filho do rei francês, o encantamento da adolescente Francisca por Joinville
fora fulminante e sem restrições, contendo-a apenas, no desassossego que a
arrebatava, o peso da sua posição e os avisos silenciosos da solícita e
prudente Mariana.
Sejai
bem-vindo!, disse Pedro II. Francisco Ferdinando respondia gratamente com um
venerador curvar de cabeça. Então, a um gesto indicativo do imperador, convidado,
ministros e corte seguiram-no ao interior do palácio. Contrastando com os
aposentos da família imperial, que se limitavam a meia dúzia de diminutos compartimentos,
servidos por estreitos corredores e igualmente ajustadas escadas, no piso
superior do velho, acanhado, desconfortável e encardido paço de São Cristóvão, as
salas sociais eram largas e belas, apesar de pecarem pela ausência de móveis e
artefactos à altura dos seus belos tectos estucados e do estatuto dos seus majestosos
habitantes. No conto geral, distava tanto o Brasil da Europa, como se afastava
a austeridade quase monástica da residência bragantina brasileira do fausto e
do agasalho da ufana corte francesa; disparidade que logo causou espanto aos olhos
da majestade gaulesa». In Maria João Gouveia, A Princesa Boémia,
2013, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-862-626-4.
Cortesia Topseller/JDACT