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Nos olhos de Diana brilhou fulgurante e fulgás um lampejo de orgulho. Havia
muitos dias que ela esperava ouvir aquelas palavras, que não eram uma promessa
vã, pois que aquele que diante de Diana se expandia com ardor tão apaixonado
era o segundo personagem do reino, era Henrique de França, filho e herdeiro
presuntivo do rei Francisco I, e que depois reinou com o nome de Henrique II. O
príncipe tinha então dezoito anos. Era um mancebo de altiva e nobre figura,
muito mais desenvolvido do que a idade parecia permitir. Em lugar dos traços
delicados e moles da juventude adolescente, havia nele o desenvolvimento de
formas e a robustez de um homem de trinta anos. A caça e a guerra, os seus dois
passatempos predilectos, tinham contribuído para dar àquele filho dos Valois a
aparência rude e semi-selvática de um soldado aventureiro. Como seu pai, também
Henrique era de uma estatura de gigante; mas, principalmente diante de uma
mulher, o seu olhar era tímido e doce, e nos seus movimentos havia tal ou qual
embaraço. Enfim, era o mais belo Hércules, que jamais se deixara prender nos
laços de uma Ônfale moderna. Mas, por outro lado, que admirável domadora era
aquela, que tinha feito curvar a cabeça deste leão!... Todos os poetas daquela
época nos deixariam o retrato da deusa, que por tantos anos brilhou no céu da
corte de França. Pintores, escultores, cinzeladores, como o Primaticcio, como
Jean Goujon, como Benevenuto Cellini, idealizaram as formas admiráveis da bela
sereia. Ela era realmente a grande cortesã, a mulher que podia desafiar o
tempo, e receber, passados os cinquenta anos, as entusiásticas homenagens com
que tinha sido saudada na sua primeira mocidade! Diana de Poitiers, condessa de
Brezé, orçava então pelos trinta e cinco anos. Nenhum colorido de artista, a
não ser o que saía dos pincéis mágicos do Ticiano, poderia reproduzir a cor de
pérola daquela carnação, onde todavia ondeavam os reflexos dourados de um
sangue quente e vivo. Tinha os cabelos castanhos escuros, tão finos e macios,
que comparada com eles a seda pareceria áspera lã. Os olhos negros, grandes,
aveludados, profundos, ora pareciam perdidos numa espécie de êxtase, ora
relampagueavam clarões de voluptuosidade, capazes de entregar nos braços de
Satanás o mais austero anacoreta da ordem de S. Francisco. A condessa trazia um
vestido muito simples, todo preto, de luto. Um decote em quadrado sobre o peito
deixava entrever a brancura deslumbrante do colo e do seio, que arfava. Das
mangas curtas, segundo a moda da época, saíam dois braços admiráveis, que
pareceriam de mármore, se não fosse o azulado das veias, que se desenhavam sob
aquela finíssima pele. Nenhuma jóia nos braços, nem no colo. Na mão direita só
um anel, um só, o anel nupcial do defunto senhor de Brezé. Monsenhor!, disse a
condessa, depois de uma pausa habilmente calculada, o que acabais de
prometer-me bastaria para tornar feliz a maior princesa do mundo, quanto mais
uma pobre viúva como eu. Diana!... Deixai-me continuar. Hoje sois príncipe,
monsenhor; hoje não dependeis senão de el-rei, vosso pai; amanhã sereis o
senhor absoluto. Mas tereis de ouvir os conselhos da política, que vos dirá que
o chefe de um grande povo não pode aparentar-se senão com famílias de
soberanos. Nasci bastante próxima do trono, monsenhor, para compreender quanto
é perigoso para alguém, mesmo sem o querer, aproximar-se da coroa. As jóias
dela queimam a mão profana que as toca. Se o rei Francisco nosso senhor tivesse
ouvido as imprudentes palavras, que há pouco pronunciastes, a prisão ou exílio seriam
o meu destino. O rosto de Henrique coloriu-se e os olhos injectaram-se-lhe de
sangue.
Se
tal ousasse!..., exclamou ele, levando a mão aos copos da espada. Diana
deteve-o com um olhar. Vós resistiríeis, monsenhor!..., e eu teria o infinito
remorso de ter indisposto um filho com seu próprio pai, de ter amargurado a
vida de um rei, que foi tão bondoso para com a pobre Diana de Saint-Vallier e
que concedeu às súplicas da filha o perdão de seu pai... E como Henrique
olhasse para ela cheio de espanto: pois vós ignorais este facto, monsenhor?! É
natural; isto ocorreu quando ainda éreis criancinha, e desde então para cá
têm-se operado grandes mudanças na corte. Mas desejo que o saibais: meu pai, o
conde de Saint-Vallier, implicado na fuga do condestável de Bourbon, foi
condenado à morte. O rei estava tão indignado contra os cúmplices e protectores
de Bourbon, que ousaram pegar em armas contra o seu rei, que só alguns amigos é
que ousaram implorar o perdão de meu pai; mas tudo foi inútil, a condenação era
irrevogável. Tive então uma ideia, que decerto me foi inspirada por Deus.
Penetrei no Louvre, e na ocasião em que o rei ia passar, lancei-me aos pés
dele. Vós!, exclamou o delfim com indizível expressão de ciúme, bem justificada
para quem conhecia a galanteria do rei cavaleiro. E ele..., recebeu-vos… Como
se recebe uma filha, que implora o perdão para seu pai, respondeu Diana com tal
acento de nobreza misturada de melancolia, que era do mesmo passo a censura e a
destruição das suspeitas de Henrique. Fez-me erguer e interrogou-me com
afabilidade; e como o terror, o respeito, a comoção me tinham alquebrado as
forças, recomendou-me benignamente a sua mãe, Luísa de Sabóia, e, um momento
depois, meu pai livre dos seus ferros, tornava a abraçar sua filha… E depois
disso não tornastes a ter outras conversações…, com o rei meu pai?... Não,
monsenhor; disse Diana com altiva dignidade, poucas semanas depois desposava eu
o conde de Brezé, grande senescal da Normandia. Conservei sempre sem mácula o
meu nome de esposa…, como hei-de conservar o de viúva…» In Ernesto Mezzabota, O Papa
Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.
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