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Torre
de Londres. 1465
«(…)
Foi muito mal feito da parte dele agir sem se aconselhar primeiro com o meu
pai; toda a gente o sabe. Foi a primeira vez que Eduardo agiu assim durante a longa
e triunfal campanha que resgatou a Casa de Iorque da vergonha, quando eles tiveram
de
implorar
o perdão do rei adormecido e da rainha má, e a levou à vitória e ao trono da Inglaterra.
O meu pai tem estado sempre ao lado de Eduardo, aconselhando-o e orientando-o,
ditando cada gesto seu. Foi sempre o meu pai a avaliar o que seria melhor para Eduardo.
O rei, mesmo que agora seja o rei, é um jovem que deve tudo ao meu pai. Não teria
chegado ao trono se o meu pai não tivesse defendido a sua causa, ensinando-lhe como
se faz para liderar um exército e travando as batalhas dele em seu lugar. O meu
pai arriscou a própria vida, primeiro pelo pai de Eduardo e depois pelo próprio
Eduardo, mas então, logo depois de o rei adormecido e de a rainha má terem
fugido, e de Eduardo ser coroado rei, quando tudo deveria ter ficado bem para todo
o sempre, ele foi casar em segredo com ela.
É a nova
rainha que nos vai conduzir ao salão de banquete, e as damas dispõem-se cuidadosamente
atrás dela; há uma ordem a respeitar e é extremamente importante que cada uma de
nós se certifique de que ocupa o lugar certo. Estando quase a fazer nove anos, já
tenho idade mais do que suficiente para compreender isto; comecei a aprender as
ordens de precedência na escola quando ainda era muito pequena. Como ela vai ser
coroada amanhã, segue na frente. A partir de agora será sempre a primeira em tudo
aqui na Inglaterra. Passará sempre à frente da minha mãe até ao fim da sua vida,
e esse é outro pormenor que não agrada particularmente à minha mãe. Atrás da
nova rainha deveria seguir a mãe do rei, mas ela não está aqui; declarou a sua absoluta
inimizade pela bela Isabel Woodville e jurou que não assistirá à coroação de uma
plebeia. Toda a gente está a par desta cisão na família real e as irmãs do rei ocupam
os respectivos lugares sem a supervisão da mãe. Parecem perdidas sem a bela duquesa
Cecília para lhes indicar o caminho, e, ao ver o espaço vazio onde deveria estar
a sua mãe, o sorriso confiante do rei desaparece-lhe do rosto por um fugaz instante.
Nem sei como ele se atreve a contrariar a duquesa, a tia do meu pai; ela é tão
aterradora como a minha mãe e nunca ninguém desobedece a uma ou a outra. A única
explicação que encontro é que Eduardo deve estar mesmo muito apaixonado pela nova
rainha para desafiar a própria mãe. Deve amá-la mesmo de verdade. Já a mãe da
rainha está presente, não perderia, de maneira nenhuma, um momento de triunfo como
este. Vem ocupar o seu lugar trazendo atrás o seu séquito de filhos e filhas e com
o seu belo esposo, rir Ricardo Woodville, a seu lado. Ele é o barão Rivers, e a
piada de que os rios estão a subir começa a ser sussurrada entre os convidados.
É um facto que eles são tantos que até custa a acreditar. Isabel é a filha mais
velha e atrás da sua mãe estão as suas sete irmãs e os seus cinco irmãos. Fico a
olhar fixamente para o belo e jovem João Woodville, que está ao lado da sua nova
esposa e que mais parece um menino pequeno a acompanhar a avó. Casaram-no à
pressa com a duquesa viúva de Norfolk, Catarina Neville, a minha tia-avó. É um escândalo,
até o meu pai o diz. Catarina, a senhora minha tia-avó, é muito idosa, uma valiosíssima
ruína com quase setenta anos; poucas pessoas terão alguma vez visto, ainda com vida,
uma mulher tão velha. Por seu lado, João Woodville é um jovem de vinte anos. A minha
mãe diz que é assim que as coisas vão ser a partir de agora; quando se senta no
trono da Inglaterra a filha de uma mulher que é pouco mais do que uma bruxa, é forçoso
que se testemunhem acontecimentos sombrios. Se fizermos rainha uma ave de rapina,
ela acabará por rapinar tudo. Forço-me a desviar o olhar do rosto enrugado e cansado
da minha tia-avó e concentro-me no que tenho a fazer. A minha tarefa é certificar-me
de que me mantenho ao lado de Isabel e atrás da minha mãe, sem lhe pisar a cauda
do vestido, acima de tudo, que não lhe piso a cauda do vestido. Ainda só tenho
oito anos, mas é obrigatório conseguir fazer isto bem. Isabel, que já tem treze
anos, suspira ao ver-me olhar para baixo e arrastar os pés de maneira que as pontas
dos mesmos estejam sempre por debaixo do opulento brocado, para garantir que não
há possibilidade de cometer algum erro. E então Jacquetta, a mãe da rainha, a mãe
da ave de rapina, vira-se e espreita de detrás dos próprios filhos para confirmar
que eu estou no sítio certo e que não houve nenhum engano. Olha para trás como se
o meu bem-estar a preocupasse, e, ao ver-me, atrás da minha mãe e ao lado de
Isabel, lança-me um sorriso tão belo como o da sua filha, um sorriso que é apenas
para mim; depois torna a voltar-se para diante, toma o braço do seu elegante esposo
e segue a filha, neste que é o momento do seu triunfo absoluto». In Philippa
Gregory, A Filha do Conspirador, 2012, Civilização Editora, Porto, 2013, ISBN
978-972-263-519-6.
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