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Uma
pequena cidade
«(…)
Deu a Sorel dois hectares em troca de meio hectare quinhentos metros mais
abaixo, à beira do Doubs. E apesar de esta posição ser muito mais vantajosa
para o seu comércio de tábuas de pinho, o pai Sorel, como lhe chamam desde que enriqueceu,
conseguiu obter da impaciência e mania de proprietário de que o seu vizinho
estava possuído a quantia de seis mil francos. Valha a verdade que esta
combinação foi criticada pelas pessoas ajuizadas. Um domingo, há quatro anos, quando
o senhor de Rênal voltava da igreja fardado de presidente viu de longe o velho Sorel,
rodeado pelos três filhos, fitá-lo a sorrir. Aquele sorriso escureceu a alma do
senhor presidente; desde então pensa para consigo que poderia ter conseguido a troca
por preço mais favorável. Para se obter a consideração pública em Verrières é preciso
não adoptar, apesar de ter de se construir muitos muros, qualquer plano trazido
de Itália pelos pedreiros que na Primavera, atravessam os desfiladeiros do Jura
com destino a Paris. Tal inovação acarretaria sobre o imprudente construtor a eterna
reputação de má cabeça, ficando perdido para sempre no conceito das
pessoas sensatas e moderadas que distribuem a consideração no Franco-Condado. De
facto, essas pessoas sensatas exercem ali o mais aborrecido dos despotismos;
é por causa desta feia palavra que a estada nas pequenas cidades é insuportável
para quem viveu na grande república chamada Paris. A tirania da opinião, e que
opinião!, é tão estúpida
nas pequenas cidades da França quanto nos Estados Unidos da América.
Um Presidente
da Câmara
Felizmente
para a reputação do sr. de Rênal como administrador, um passeio público que
bordeja a colina a uma centena de pés acima do curso do Doubs, e que deve a
essa admirável posição uma das vistas mais pitorescas da França. Mas, a cada Primavera,
as águas da chuva sulcavam o passeio, nele abrindo ravinas e tornando-o
impraticável. Esse inconveniente, sentido por todos, pôs o sr. de Rênal na
feliz necessidade de imortalizar a sua administração por um muro de seis metros
de altura e sessenta ou oitenta metros de comprimento. O parapeito desse muro,
para o qual o sr. de Rênal teve de fazer três viagens a Paris, pois o penúltimo
ministro do Interior se tinha declarado inimigo mortal do passeio de Verrières,
o parapeito desse muro eleva-se agora a uma altura de 1,50 metros do solo. E,
como para desafiar todos os ministros presentes e passados, é guarnecido neste
momento com lajes de pedra de cantaria. Quantas vezes, pensando nos bailes de
Paris abandonados na véspera, e com o peito apoiado contra esses grandes blocos
de pedra de um belo cinza puxando para o azul, meus olhares mergulharam no vale
do Doubs! À distância, na margem esquerda, serpenteiam cinco ou seis vales no
fundo dos quais o olhar distingue perfeitamente pequenos riachos. Depois de terem
corrido de cascata em cascata, vêmo-los caírem no Doubs. O sol é muito quente
nessas montanhas; quando brilha em cheio, o devaneio do viajante é abrigado
nesse terraço por magníficos plátanos. Seu crescimento rápido e seu belo verdor
puxando para o azul devem-se à terra trazida, que o sr. prefeito mandou colocar
atrás do imenso muro de sustentação, pois, apesar da oposição do conselho
municipal, ele ampliou o passeio em mais de dois metros (embora ele seja
conservador e eu liberal, louvo-o por essa medida); eis por que, em sua opinião
e na do sr. Valenod, o feliz director do asilo de mendicidade de Verrières,
esse terraço pode sustentar a comparação com o de Saint-Germain-en-Laye.
Quanto
a mim, só vejo uma coisa a censurar na Alameda da Fidelidade; lê-se esse nome
oficial em quinze ou vinte pontos, em placas de mármore que valeram ao senhor
de Rênal mais uma condecoração; o que eu reprovaria à Alameda da Fidelidade é a
maneira bárbara pela qual a autoridade manda cortar e podar quase ao extremo
esses vigorosos plátanos. Em vez de se assemelharem, por suas copas baixas,
redondas e achatadas, à mais vulgar das árvores de quintal, seria melhor que
tivessem aquelas formas magníficas que possuem na Inglaterra. Mas todas as
árvores pertencentes à comuna são impiedosamente amputadas. Os liberais do
sítio vontade do sr. prefeito é despótica, e duas vezes por ano todas as
árvores pertencentes à comuna são impiedosamente amputadas. Os liberais do
sítio pretendem, mas exageram, que a mão do jardineiro oficial se tornou mais
severa desde que o senhor vigário Maslon adquiriu o hábito de apoderar-se dos
produtos da tosquia». In Stendhal, O Vermelho e o Negro, 1828-1830,
Círculo de Leitores, Cortesia de Portugália Editora, 1978.
Cortesia de
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