sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Os Abutres do Vaticano. Eric Frattini. «O mais importante é a procura da verdade e a procura da verdade inspitada na Palavra de Deus, na vida da Igreja, na vida dos cristãos»

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Uma chamada de atenção do papa Negro ao papa Branco
«(…) No sábado, 12 de Novembro de 2011, foi recebida uma carta na Secretaria do Sumo Pontífice que, à primeira vista, poderia parecer uma simples demonstração de respeito de Adolfo Nicolás, tradicionalmente conhecido como o papa negro, para com Bento XVI. Contudo, se analisarmos os factos que levaram o general dos jesuítas a enviá-la, podemos ver nela uma clara chamada de atenção para a situação que se estava a viver na Igreja. A carta vinha acompanhada de outra missiva, redigida por um aclamado casal da Holanda e, como já dissemos, ia dirigida directamente a Bento XVI. Nascido na localidade palentina de Villamuriel de Cerato, a 29 de Abril de 1936, Adolfo Nicolás deu entrada no seminário de Alcalá de Henares, em 1953, com a clara intenção de se tornar jesuíta. Em 1961, mudou-se pata Tóquio onde concluiu os seus estudos em Teologia, sendo ordenado sacerdote em 1967. Em 1971, depois de terminar o seu doutoramento na Pontifícia Universidade Georgiana, regressou ao continente asiático, onde, até 2004, assumiu diversas missões, principalmente relacionadas com a imigração. Desde essa data até 2008, foi presidente da Conferência de Provençais da Ásia Oriental e da Oceânia, mas a 19 de Janeiro desse mesmo ano, os 217 jesuítas eleitores reunidos em Roma para a 35.ª Congregação Geral viriam a nomeá-lo trigésimo Geral da influente Companhia de Jesus, cargo conhecido como papa negro. Assim, Adolfo Nicolás, homem aberto e com experiência no diálogo inter-religioso, viria a suceder ao polémico Peter Hans Kolvenbach. Seis dias após a sua eleição, o padre Adolfo Nicolás teve o seu primeiro encontro com a imprensa italiana. O novo Geral da Companhia de Jesus disse: vocês, os jornalistas, dizem que sou como o Arrupe, como o Kolvenbach, metade, metade, cinquenta por cento de cada, mas ninguém disse que tenho dez por cento de Elvis Presley. Mas podia-se dizer e não seria nenhuma surpresa. É tudo falso. Não sou o Arrupe [...] Durante o encontro, um jornalista do diário La Stampa questionou-o acerca da sua relação com o papa Bento XVI. Nicolás esclareceu que tinham uma certa distância teológica e precisou: a distância é mais teórica na imaginação de alguns; trata-se de um colóquio que continua, porque creio que a teologia é sempre diálogo. O mais importante é a procura da verdade e a procura da verdade inspitada na Palavra de Deus, na vida da Igreja, na vida dos cristãos. É neste diálogo que talvez se possam encontrar, em algumas questões, as diferenças, mas sempre na procura comum da verdade.
Contudo existia uma questão ainda mais importante de possível desacordo com o Vaticano que remetia para um simples facto teológico: a transparência. Adolfo Nicolás afirmou: eu penso ser transparente. [...] A transparência é uma atitude responsável para o bem dos outros, não para nós próprios. Não é tão importante o que as pessoas pensam de mim; é mais importante o bem dos outros. É nesta perspectiva a que poderemos situar o documento que Nicolás enviou a Bento XVI, a 12 de Novembro de 2011: Santo Padre: Tive a honra e o privilégio de me encontrar e falar com o senhor  Huber e com a senhora Aldegonde Brenninkmeijer, desde há muito grandes benfeitores da Igreja e da Companhia de Jesus. O que mais me impressionou, quando falei com eles foi o seu sincero e profundo amor para com a Igreja e para com o Santo Padre e também o seu compromisso em fazer algo que possa influenciar naquilo que consideram ser uma grave crise na Igreja. Pediram-me a garantia de que esta carta, escrita com o coração, chegaria às mãos de Sua Santidade, sem intermediários. Por este motivo, pedi ao padre Lombardi [porta voz da Santa Sé e membro da Companhia de Jesus] que dela fosse o mensageiro. Peço perdão com humildade se esta não for a forma mais apropriada. Partilho as preocupações do senhor e da senhora Brenninkmeijer e sinto-me feliz por estes fiéis laicos levarem tão a sério a responsabilidade de fazer algo pela Igreja. Também fico muito satisfeito em ver e ouvir que têm atitudes e orientações absolutamente em harmonia com as indicações contidas nas regras concebidas pelo nosso fundador Santo Inácio enquanto regulador para o sentire cum Ecclesia. Como já é de seu conhecimento, a Companhia de Jesus mantém-se ao serviço absoluto do Santo Padre e da Igreja.
Como já dissemos antes, o texto poderia, à primeira vista, ser tão só uma simples demonstração de respeito de alguns leigos para com o Santo Padre». In Eric Frattini, Os Abutres do Vaticano, 2012, tradução de Pedro Carvalho, Bertrand Editora, Lisboa, 2013, ISBN 978-972-252-598-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT