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O
perímetro amuralhado
«(…)
Neste ponto ocorre o problema das muralhas de Santarém e das respectivas
portas. Tal problema, sendo premente para o século XII, continua insolúvel para
os séculos imediatos, pelo menos em certos aspectos. Já no século X, escreve o
cronista mouro Ahmed Arrazi: e o castelo de Santarém jaz em um monte mui
grande e mui alto e mui forte e não há lugar por onde o possam combater senão a
mui grande perigo. O geógrafo árabe Edrisi afirma, nos princípios do século
XII: Santarém é uma vila erguida num monte muito alto, ao sul do qual há um
grande precipício. Não tem muralhas, mas no sopé da montanha está um arrabalde
erguido na margem do rio (há discordância quanto à localização do
precipício; Edrisi coloca-o a sul; o códex 207 de Alcobaça situa-o a leste,
chamando-lhe alhafa, lugar de mrdo para os árabes, que para lá atiravam os
seus condenados). O primeiro fala só do castelo: o segundo, apenas da vila sem
muralhas: cada um olhou, certamente. para aspectos diferentes do mesmo conjunto
urbano. Já na História de Portugal, Herculano debatera a questão, ao comparar Santarém
com Lisboa: menos defendida que Lisboa pela arte, era-o mais pela natureza;
porque, embora não estivesse cingida de muros, como essoutra povoação., e os
seus habitantes vivessem em grande parte num arrabalde à borda do rio, o
castelo que lhe servia de coroa, edificado no cimo da montanha em que estava
assentada era como um ninho de águias pendurado sobre o Tejo. Em nota a esta
afirmação o autor opina que tal descrição é o único meio de conciliar a afirmativa
de Edrisi de que Santarém não era rodeada de muralhas com todas as memórias
coevas que encareciam a fortaleza daquele castelo. Os poucos documentos de que
dispomos para o século XII são omissos na toponímia urbana e, por isso, não nos
é possível definir o delineamento das muralhas nessa época, Os testemunhos dos
séculos posteriores, a contar do século seguinte, nomeiam expressamente apenas
duas portas no castelo: a do Sol e a da Alcáçova. Esta última teria uma ponte
de que alguns documentos do século XV nos dão conta e cuja memória o padre António
Carvalho Costa ainda transmite.
A
Porta do Sol sabe-se bem qual é: exactamente aquela que abre para o sueste a
pique sobre o Tejo, e que deu o nome ao jardim que serve de miradoiro à cidade.
Quanto à localização da Porta da Alcáçova duas hipóteses são admissíveis: ou se
trata da Porta de Santiago sobranceira ao buraco de Salinas (a porta de
Santiago tomou este nome porque a calçada que dela se dirige ao arrabalde sito
no sopé do monte passava pela igreja de Santiago, situada a meia encosta e
cujas ruínas desapareceram no século passadp), ou se trata de uma outra porta
aberta para a vila, a ocidente daquela. Se aceitarmos que a Porta de Santiago
era, de facto, a da Alcáçova (e não apenas um portigo entre outros), teremos de
admitir que houve nas suas imediações uma alteração de natureza geológica,
alteração, aliás, plausível, dada a natureza e a forma do terreno que tem
proporcionado frequentes esbarreiramentos, alguns mesmo nos nossos dias, que
cortou a comunicação com a vila, deixando-a somente em ligação com a Ribeira.
Esta ideia parece esboçá-la Zeferino Brandão, ao afirmar que se cortou a
comunicação entre a vila e a Porta de Santiago, em virtude do desabamento da
barreira por onde passava o caminho. O autor não nos diz em que fonte se baseia
nem precisa em que época tal aconteceu (entre os manuscritos da Biblioteca
Camões que se encontram na B. M. S. encontra-se um auto de vestoria do ano de
1797 que documenta que o caminho antigo que fazia o trânsito da Alcáçova para a
vila estava invadiável. Declaram três mestres pedreiros que, em lugar deste, se
fizera outro cortando-se uma barreira aonde em outro tempo foram olarias por
cuja razão hé tão solta a terra que todos os dias está esbarrando para a mesma estrada
de forma que sendo limpa há oito dias pouco mais ou menos já quando eles foram acharão
na estrada perto de duas carradas de pedra e entulho acharão que hum Muro que
está sobranceiro a mesma Estrada tem o alicerce roubado por cuja razão e pela
altura em que se acha eminente a estrada amiaça ruina e deste mesmo Muro e do
seu alicerce hé que emanã as pedras que continuo estão cahindo na estrada...)
Ao invés, se admitirmos que a porta da Alcáçova ficava a oeste da de Santiago
(o que não exclui o tal desabamento), ficamos com certas dúvidas quanto ao
atrevintento do rei que, desta forma, se teria exposto a um ataque dos moradores
da zona de Alplan». In Maria Ângela V. Rocha Beirante, Santarém Medieval, Universidade Nova
de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (35813), 1ª edição em
Português, Dezembro de 1980.
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