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Família
e meio social
«(…)
João de Barros nasceu com muita probabilidade em Viseu, a mãe que me gerou,
pelos últimos anos do século XV. Os biógrafos apontam o ano de 1496 mas sem
base segura. Filho natural de Lopo de Barros, vereador de Viseu e futuro corregedor
de Entre-Tejo-e-Odiana; neto bastardo de Álvaro de Barros, senhor do morgado de
Moreira, junto de Braga; o historiador vinculou-se a Viseu (a família paterna
tinha casa em Maçorim), a Braga, a Pombal, a Évora e evidentemente a Lisboa onde
viveu quase toda a vida. No lado paterno contam-se cinco irmãos: o homónimo
João de Barros, Diogo, Álvaro e Cristóvão de Barros e ainda a irmã, ilegítima
como ele, Marta de Barros. O meio-irmão João de Barros, cavaleiro da Ordem de
Avis, casou em Évora com Maria Mendes Orta, filha do cidadão eborense João
Orta. Um seu meio-cunhado, António Godinho, acompanhou o rebelde bispo de Viseu,
Miguel Silva, quando fugiu para Roma.
Além
de se considerar vassalo da infanta dona Maria, senhora e duquesa de Viseu,
João de Barros não hesita em designar essa cidade como a mãe que me gerou. A
expressão é forte. Não se trata tanto de criação mas de geração. Penso que
Alexandre Lucena Vale tem fortes razões para reivindicar o autor da Ásia para
Viseu embora em Lisboa tenha vivido quase toda a vida. Por outro lado a
ascendência paterna do historiador aparece nos Diálogos Morais e Políticos, de
Manuel Botelho Pereira, publicados em 1620. O autor não pretende traçar a
ascendência de João de Barros mas tão-só referir a genealogia de famílias poderosas
de Viseu. Entre elas, aparece a geração legítima e ilegítima de Lopo Barros,
pai do cronista-feitor. O livro é escrito quando um neto de João de Barros
lutava nos tribunais pelos direitos autorais da IV Década, publicada por
João Baptista Lavanha em 1615. Não é verosímil que o neto e outros familiares
que viviam em Viseu, como refere Manuel Severim Faria, deixassem passar em
claro a genealogia de João de Barros e sobretudo a afirmação de bastardia. Aliás,
o próprio Barros, na minuta do seu testamento, trata o futuro genro Lopo
Barros, neto de seu pai, Lopo Barros, como seu sobrinho. Não me parece possível
pôr em causa a ligação do historiador à família dos Barros de Braga e de Viseu.
Um
outro irmão de João de Barros, Gaspar Torres, que em 1527 recebeu a
escrivaninha da feitoria de Ormuz, era filho de Francisco Torres e, portanto,
irmão pelo lado materno. Em 1565, um Francisco Torres, avaliado na maior
quantia de um conto de réis, e uma Ana Torres, também avaliada na maior
quantia, habitavam em casa própria na freguesia do Loreto, bem perto do então
feitor da Casa da India: o primeiro na Travessa da Cruz que vai de S: Roque
para a Atalaia, a segunda na outra banda da Rua de São Roque. O feitor morou na
freguesia do Loreto, na Rua do Hospital das Chagas, casa que tinha uma varanda
de pau, e, depois, ainda bem perto, à Cruz de Cataquefarás.
Foi
primo de frei Brás Braga ou Barros. Contemporâneo em Friburgo de frei Diogo
Murça, leitor de Erasmo, reformador dos agostinhos e futuro bispo de Coimbra. Apontam-no
como sobrinho de Lourenço Cáceres, mestre do infante Luís e guarda-mor da Torre
do Tombo. Gaspar Barreiros, de quem se assumiu como fiador junto de Lucas Giraldes,
é confessadamente seu sobrinho. Em Évora aparenta-se aos Resendes, ao menos ao
escrivão e feitor de Maluco Duarte Resende, de quem se declara amigo e sangue. Filho
bastardo de um corregedor, o futuro cronista nobilitou-se, usando as suas
palavras, no lugar onde se os homens habilitam em honra e nome que é na casa del-rei.
Nesta
nobreza funcionária e de corte, ocupará um alto lugar. O avô fora corregedor da
comarca da Beira; o pai, corregedor de Entre-Tejo-e-Odiana; o sogro, escrivão
do Armazém da Guiné e Índia. Ele próprio, depois de exercer o cargo de
tesoureiro das casas da Mina e Índia e tesoureiro-mor de Ceuta, desempenhará
durante 34 anos o ofício de feitor da Casa da Índia. Socialmente João de Barros
pertenceu à nobreza funcionária, marcada pelo dinheiro e a mercadoria». In
António Borges Coelho, Tudo é Mercadoria, Editorial Caminho, Lisboa, 1992, ISBN
972-210-759-3.
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