sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Tudo é Mercadoria. António Borges Coelho. «Nesta nobreza funcionária e de corte, ocupará um alto lugar. O avô fora corregedor da comarca da Beira; o pai, corregedor de Entre-Tejo-e-Odiana; o sogro, escrivão do Armazém da Guiné e Índia»

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Família e meio social
«(…) João de Barros nasceu com muita probabilidade em Viseu, a mãe que me gerou, pelos últimos anos do século XV. Os biógrafos apontam o ano de 1496 mas sem base segura. Filho natural de Lopo de Barros, vereador de Viseu e futuro corregedor de Entre-Tejo-e-Odiana; neto bastardo de Álvaro de Barros, senhor do morgado de Moreira, junto de Braga; o historiador vinculou-se a Viseu (a família paterna tinha casa em Maçorim), a Braga, a Pombal, a Évora e evidentemente a Lisboa onde viveu quase toda a vida. No lado paterno contam-se cinco irmãos: o homónimo João de Barros, Diogo, Álvaro e Cristóvão de Barros e ainda a irmã, ilegítima como ele, Marta de Barros. O meio-irmão João de Barros, cavaleiro da Ordem de Avis, casou em Évora com Maria Mendes Orta, filha do cidadão eborense João Orta. Um seu meio-cunhado, António Godinho, acompanhou o rebelde bispo de Viseu, Miguel Silva, quando fugiu para Roma.
Além de se considerar vassalo da infanta dona Maria, senhora e duquesa de Viseu, João de Barros não hesita em designar essa cidade como a mãe que me gerou. A expressão é forte. Não se trata tanto de criação mas de geração. Penso que Alexandre Lucena Vale tem fortes razões para reivindicar o autor da Ásia para Viseu embora em Lisboa tenha vivido quase toda a vida. Por outro lado a ascendência paterna do historiador aparece nos Diálogos Morais e Políticos, de Manuel Botelho Pereira, publicados em 1620. O autor não pretende traçar a ascendência de João de Barros mas tão-só referir a genealogia de famílias poderosas de Viseu. Entre elas, aparece a geração legítima e ilegítima de Lopo Barros, pai do cronista-feitor. O livro é escrito quando um neto de João de Barros lutava nos tribunais pelos direitos autorais da IV Década, publicada por João Baptista Lavanha em 1615. Não é verosímil que o neto e outros familiares que viviam em Viseu, como refere Manuel Severim Faria, deixassem passar em claro a genealogia de João de Barros e sobretudo a afirmação de bastardia. Aliás, o próprio Barros, na minuta do seu testamento, trata o futuro genro Lopo Barros, neto de seu pai, Lopo Barros, como seu sobrinho. Não me parece possível pôr em causa a ligação do historiador à família dos Barros de Braga e de Viseu.
Um outro irmão de João de Barros, Gaspar Torres, que em 1527 recebeu a escrivaninha da feitoria de Ormuz, era filho de Francisco Torres e, portanto, irmão pelo lado materno. Em 1565, um Francisco Torres, avaliado na maior quantia de um conto de réis, e uma Ana Torres, também avaliada na maior quantia, habitavam em casa própria na freguesia do Loreto, bem perto do então feitor da Casa da India: o primeiro na Travessa da Cruz que vai de S: Roque para a Atalaia, a segunda na outra banda da Rua de São Roque. O feitor morou na freguesia do Loreto, na Rua do Hospital das Chagas, casa que tinha uma varanda de pau, e, depois, ainda bem perto, à Cruz de Cataquefarás.
Foi primo de frei Brás Braga ou Barros. Contemporâneo em Friburgo de frei Diogo Murça, leitor de Erasmo, reformador dos agostinhos e futuro bispo de Coimbra. Apontam-no como sobrinho de Lourenço Cáceres, mestre do infante Luís e guarda-mor da Torre do Tombo. Gaspar Barreiros, de quem se assumiu como fiador junto de Lucas Giraldes, é confessadamente seu sobrinho. Em Évora aparenta-se aos Resendes, ao menos ao escrivão e feitor de Maluco Duarte Resende, de quem se declara amigo e sangue. Filho bastardo de um corregedor, o futuro cronista nobilitou-se, usando as suas palavras, no lugar onde se os homens habilitam em honra e nome que é na casa del-rei.
Nesta nobreza funcionária e de corte, ocupará um alto lugar. O avô fora corregedor da comarca da Beira; o pai, corregedor de Entre-Tejo-e-Odiana; o sogro, escrivão do Armazém da Guiné e Índia. Ele próprio, depois de exercer o cargo de tesoureiro das casas da Mina e Índia e tesoureiro-mor de Ceuta, desempenhará durante 34 anos o ofício de feitor da Casa da Índia. Socialmente João de Barros pertenceu à nobreza funcionária, marcada pelo dinheiro e a mercadoria». In António Borges Coelho, Tudo é Mercadoria, Editorial Caminho, Lisboa, 1992, ISBN 972-210-759-3.

Cortesia de Caminho/JDACT