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A jovem rainha Constança de Aragão, que já estava com 14 anos, recebeu Vataça
Lascaris de braços abertos, que as saudades já eram muitas e quis saber como
estavam sua mãe e seus irmãos e como tinha sido a viagem a Barcelona. Vataça
nada escondeu a Constança e pediu à rainha que se pudesse ausentar de novo da
Corte de Castela, mal chegassem novidades de Barcelona, sobre a viagem de
Ulisses Patrai a Constantinopla e a Niceia. Os dias passaram descontraidamente
e amiúde vinha-lhe à lembrança a viagem que fizera com sua mãe até Zaragoça e a
dúvida que alimentara o seu desassossego sobra a débil saúde de sua mãe. Ainda
continuaria enferma ou já se sentiria melhor? Apenas nessas alturas lhe vinha à
memória também o tesouro dos Lascaris, ou melhor, o tesouro de Niceia. E dizia
para si própria que jamais desiludiria sue mãe e que tudo faria para
corresponder aos seus desejos.
Certo
dia, tendo ido a uma caçada com el-rei e com a rainha Constança, quando os arqueiros
perseguiam um veado a toda a corrida dos cavalos, e Vataça se aproximava do
veado com o arco em riste e a seta apontada ao coração do animal, um enorme clarão
cegou-a por instantes e o cervo escapou. Vataça estacou o seu cavalo e olhando para
o céu viu de relance uma enorme cruz prateada, que tal como surgira de
imediato, desaparecera. Coisa extraordinária aquela porque pouco depois
perguntava ao seu rei se também havia avistado a tal cruz prateada. Mas nada,
ninguém a vira e Vataça Lascaris ainda seria objecto de chacota por ter deixado
fugir a caça, coisa em que era exímia e sempre que vestia bragas como homem e
se equipava de caçadora era seguro que algum cervo ou algum javali ficaria para
a ceia. Já não esqueceria aquele episódio e relacionava-o com sua mãe e com a
Cruz do Santo Lenho.
Corria
ainda o ano do Senhor de 1304. Havia chegado o Verão e calotes abrasadores se
faziam sentir por terras de Castela. Temperaturas altíssimas aconselhavam à
permanência dentro das paredes do palácio, muito mais frescas e convidativas ao
repouso e à sesta. Corriam rumores pelos corredores da corte, de que se preparava
uma cimeira entre Castela e Aragão, para pôr fim às constantes lutas entre os
dois reinos, pela posse do reino de Múrcia. E tais rumores também referiam a
presença do rei de Portugal, nessa cimeira, entre os mais altos responsáveis do
poder político da Ibéria. Vataça Lascaris não cabia em si de contente e a
ansiedade que sentia, apenas pela possibilidade de rever o seu amado rei, quase
a sufocava. Mas de facto fazia todo o sentido a presença do monarca Dinis I.
Primeiro, porque era casado com Isabel de Aragão, filha de Pedro III, rei de
Aragão, Valência, Maiorca, Sardenha, Sicília e conde de Barcelona, e depois porque
também era pai de Constança, rainha e esposa do rei Fernando IV de Castela.
Logo, os diferendos entre Castela e Aragão tinham tudo a ver com Dinis I de
Portugal. Por isso, Toledo preparou-se para receber o rei de Portugal e decorou
as suas ruas e praças com os mais belos enfeites, os seus artesãos e artistas
prepararam as suas melhores obras para venda aos milhares de pessoas que viriam
até à capital de Castela. Enormes tapetes árabes pendurados nas janelas e varandas
emprestaram à cidade o ambiente da grandiosidade da romaria e do arraial,
apenas visto quando das comemorações religiosas ou reais, mas desta vez muito
mais espectacular. As mais belas espadas, cimitarras, adagas, punhais e facas
de todos os feitios, autênticas obras dessa arte especial de Toledo, enchiam enormes
bancas de madeira, em exposição, aos olhares e às bolsas de locais e
visitantes. O próprio palácio de Alcazar era objecto de embelezamentos
interiores e exteriores, que ainda o faziam sobressair mais, de forma mais
imponente, do casario da cidade. Até as rochas que o sustentavam foram limpas
de ervas e plantas daninhas e cobertas de heras e chorões vermelhos». In
Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013,
ISBN 978-989-655-183-4.
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