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O pânico foi tão veemente e atroz que a população pensou que, depois de o
general romano ter sido massacrado com as suas três legiões e as tropas
auxiliares por Armínio, este avançaria sobre Roma indefesa Augusto ao ter
conhecimento do desastre perdera totalmente a cabeça. Varus fora incompetente.
Esquecera que a Germânia não se achava totalmente pacificada e deixara
negligentemente Armínio e Segimerus seu pai reconstituir o exército bárbaro e
rearmá-lo. Pior, a Varus faltava a sagacidade de Tibério, a sua prudência, a
sua inteligente estratégia. Por isso se deixou cair numa armadilha tão
eficiente que nenhum outro general, por mais competente que fosse conseguiria
ultrapassá-la, isto é, terminaria os seus dias como os desgraçados de
Teutoburgo: afogados na lama dos pântanos, trucidados pelos Germanos e pela
tempestade que desabara entretanto, por entre as centenárias árvores da
floresta, impossibilitados até de utilizar as suas próprias armas e os
sobreviventes dos quatro dias de batalha (porque é preciso dizer que eles
combateram até ao limite das suas forças, até ao esgotamento físico e moral)
acabaram queimados vivos em gaiolas de vime após horrendas torturas. A verdade
é que os Germanos pouco conhecem da honra de guerra. Não têm prisioneiros.
Ceifam-nos barbaramente, como se isso constituísse um dever guerreiro. Após o
desastre, Augusto mandou reforçar as guarnições das fronteiras do Império e, na
própria Urbr instalou sentinelas. Vestiu-se de luto, deixou crescer o cabelo e
a barba. Fora o maior ultraje militar do seu governo. De noite erguia-se
percorria os corredores da sua casa do Palatino e gritava como se o espírito de
Varus o pudesse escutar: Varus, Varus, traz-me de volta as minhas legiões! Os
criados confessavam que ele quando fora acordado a meio da noite por um correio
da Germânia, tinha sofrido um acesso de fúria tão violento, ao escutar dos
lábios do homem esfarrapado, ferido e esgotado pela cavalgada até Roma a
terrível notícia, que batera aos berros com a cabeça pelas paredes.
Tibério
meu tio avô Tiberius Claudius Nero fora adoptado por Augusto que era apenas seu
padrasto, em 757, se não estou em erro. Era o seu herdeiro e entrara na família
dos Júlios... Foi chamado imediatamente. Augusto de momento sabia que não tinha
mais ninguém a quem recorrer. O enteado era um bom general, um extraordinário
estratega, respeitado pelas suas tropas e impregnado daquele sentido político
da prudência que faz dos homens grandes figuras ou tremendos hipócritas. Fez de
Tibério as duas coisas e ninguém poderá nunca reduzir a sua grande competência
como militar e administrador. E Augusto, embora nunca o tivesse amado, sabia-o
bem. Se havia um homem em todo o Império capaz de fazer apagar a trágica volubilidade
do governador da Germânia que Armínio, de uma forma ou de outra, justiçara para
mal de Roma, esse homem era o filho de Lívia. A sua clarividência e dotes de
estratégia militar durante os três anos que se seguiram cimentaram de novo o
orgulho de Roma em terras da Germânia.
A primeira
coisa que ele fez, depois de estudar a situação, foi rodear-se de um conselho de
especialistas aptos a serem consultados antes de cada operação. Pelas notas de
meu pai que minha avó Antónia guardou, e não só, porque as campanhas da Germânia
onde meu avô Druso e meu pai se ilustraram fazem parte dos actuais compêndios
de História que se ensina nas escolas, sabemos que a disciplina do exército foi
reforçada, as antigas punições dos legionários, mesmo de menor importância, foram
aplicadas com todo o rigor. A frugalidade e a disciplina rígida eram absolutamente
necessárias para que o espírito coriáceo do exército se reafirmasse. O primeiro
passo consistia em aterrorizar os Germanos e consolidar as defesas existentes. A
actuação de Tibério, com as suas oito legiões treinadas e desejosas de vingar Varus,
exerceu uma acção punitiva violenta na margem direita do Reno. Depois de cada
razia, as populações são deportadas e as povoações incendiadas. A partir de 764
meu pai (e seu filho adoptivo por ordem de Augusto) junta-se-lhe e partilha com
o primeiro herdeiro do Príncipe a ocupação do país, coadjuvando-o no comando
das operações e, no ano seguinte Tibério decidiu que a sua acção dera os frutos
desejados e regressa a Roma, depois de autorizado por Augusto, deixando a meu pai
o comando das operações de ocupação e pacificação. É a Germânico, meu pai, que fica
entregue a missão de pacificar em nome do Povo Romano toda a zona e terminar a
estabilização do nosso poder no Norte da Europa. Como já disse, a Germânia foi para
a nossa família um ponto de honra. Meu pai, além da missão a cumprir para o Povo
Romano e Augusto, tinha em mente outra, talvez menos solene mas nem por isso menor,
portar-se à altura de seu pai, do qual herdara o título de Germânico, Druso casado
com a avó Antónia, o irmão querido de Tibério e com o qual sempre nos pareceu
que morrera um bom pedaço da parte positiva da sua alma. Dezanove anos antes extinguira-se
de gangrena, junto ao Albis, também na Germânia, nos braços da mulher e do
irmão. Fora após a sua morte que Tibério prosseguira a campanha na Germânia,
praticamente dois anos antes de se refugiar em Rodes..., mas lá iremos, lá iremos...
Meu pai ficou com o exército e o conselho de não fazer novas conquistas. Tibério
talvez tenha tido consciência nesses conturbados anos que não seria possível, devido
às características das populações e à geografia do terreno constituir rapidamente
a tal província romana, derradeiro sonho de Augusto, entre os rios Reno e Albis.
Um dos aspectos mais angustiantes do seu pensamento quanto à Germânia era saber
que não se podia contar com a versatilidade de populações afeitas à guerrilha permanente,
ora pacificadas ora traindo os acordos estabelecidos por pressões de tribos independentes,
ou alertadas e convulsionadas pela auréola de um chefe quase mítico como de momento
pareceu ser Armínio. Nesse Outono do regresso, Tibério recebeu em Roma o seu merecido
triunfo pela vitória na Panónia e na Ilíria, anos antes». In Seomara Veiga Ferreira,
Memórias de Agripina, 1993, Editorial Presença, Lisboa, 2007, ISBN
978-972-231-664-4.
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