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Suspende Pítaco o discurso por momentos e, com facécia nos olhos e no ricto dos
lábios, acrescenta: basta o arroto deles para deitar por terra um batalhão inimigo...
Os circunstantes riem. O orador continua: não descuidaremos serviços
auxiliares; sinais de fogo no alto das montanhas, os hemeródromos que correrão
o dia inteiro a levar mensagens, os terapeutas de campanha para acudir aos feridos,
os adivinhos para nos aconselharem... Os veteranos, com os efebos e os metecos,
manter-se-ão a defender a ilha, peitos às armas esforçados, lanças em riste
apercebidas contra o invasor ateniense. Defenderemos a nossa terra, as nossas
mulheres, as nossas virgens, o nosso sangue, os nossos bens, o nosso pão, o
nosso vinho... Avante, cidadãos! A hora é de heroísmo! Assim falou e logo
crepitam aplausos a coroar-lhe as palavras voadas do experto peito. Está encontrado
o general de Lesbos. Mitilene, cidade aristocrática e a mais importante da
ilha, é, com a concordância de todas as outras, investida na direcção da
defesa.
Por
toda a parte se aparelha a guerra. No porto está pronta a armada, carros de
batalha seguem os guerreiros por estradas e caminhos em direcção ao litoral.
Estafetas correm com ordens e avisos às populações. Em Éreso, meu pai
Escamandrónimo prepara os seus homens. A enorme casa resplandece de bronzes,
ondeiam os brancos penachos de crinas de cavalo, brilham as cnémidas dos hoplitas,
envolvem-se os dorsos com as couraças de linho novo, as cotas de malha da
Lídia, empunham-se na esquerda os côncavos escudos, na direita o dardo potente,
dos cinturões pendem espadas e punhais de Cálcis.
Fora
das muralhas aguarda o exército. Escamandrónimo, rutilante em seus trajos de
guerra, surge à porta de casa com nossa mãe e connosco. Lembrado da despedida
de Heitor a Andrómaca, prefere contenção de palavras. Apenas diz, como o herói
homérico: pobrezinha! Não atormentes o coração. Contra o destino nenhum mortal
me poderá lançar ao Hades, beija a mulher, afaga-nos. Vá! Entra e dedica-te às
tuas tarefas. A guerra é para os homens.
Cléis,
os olhos em lágrimas, leva-nos para dentro. Ainda olho atrás. Ele desce, sai a
porta da muralha a juntar-se aos guerreiros. Partem. Com seu exército meu pai
vigia muralhas, porto, praia, habitações e campos. E, um dia, pelo meio da
manhã, surge ao longe, no azul de mar e céu, a frota inimiga... Tinha eu seis
anos, o meu choro regou os osso
s de meu pai. Haviam-no os criados trazido da
batalha numa improvisada padiola de ramos de tamariz». In Fernando Campos, A Rocha
Branca, Editora Objectiva, Alfaguara, 2011, ISBN 978-989-672-111-4.
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