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«(…)
Eu mal me havia mudado para aquele lugar e ainda estava tentando arrumar meu
apartamento. E se ele pertencesse à pessoa que vivia naquele apartamento? Ela
não encararia lá muito bem que alguém levasse embora o seu animal de estimação,
não é? Além disso, a última coisa de que eu precisava agora era da
responsabilidade extra de um gato. Eu era um músico fracassado e um viciado em
drogas em recuperação, vivendo uma existência precária em uma moradia subvencionada.
Assumir a responsabilidade por minha própria vida já era algo bastante difícil.
Na manhã seguinte, sexta-feira, fui até ao rés-do-chão e encontrei o laranjinha
ainda sentado no mesmo lugar. Era como se ele se não tivesse movido daquele
lugar nas últimas 12 horas ou mais. Mais uma vez, caí de joelhos e o acariciei.
Mais uma vez, ficou óbvio que ele adorava aquilo. Ele ronronava, apreciando a
atenção que estava recebendo. Ainda não havia aprendido a confiar completamente
em mim. Mas pude perceber que ele simpatizava comigo. À luz do dia, pude ver
que se tratava de uma criatura maravilhosa. Ele tinha uma expressão realmente impressionante,
com olhos penetrantes e incrivelmente verdes, embora, olhando mais de perto,
fosse possível afirmar que ele estivera numa briga ou num acidente, porque
havia arranhões na face e nas pernas. Tal como eu havia imaginado na noite anterior,
a pelagem estava em péssimo estado. Estava muito rareada e encrespada, com pelo
menos meia dúzia de regiões calvas, onde era possível ver a pele. Eu já estava
me sentindo realmente preocupado com ele, mas, novamente, disse a mim mesmo que
já tinha mais do que o suficiente com que me preocupar na simples tarefa de me
manter na linha. Assim, relutantemente, saí para pegar o autocarro de Tottenham
ao centro de Londres e Covent Garden, onde eu tentaria, uma vez mais, ganhar
dinheiro com apresentações de rua. Quando voltei naquela noite, já era muito
tarde, quase 22 horas. Imediatamente, dirigi-me para o corredor onde vira o
laranjinha, mas não havia sinal dele. Parte de mim ficou decepcionada. Eu meio
que já gostava dele. Mas, principalmente, senti-me aliviado. Achei que seu proprietário
deveria ter permitido que ele entrasse ao voltar de onde quer que tenha estado.
Meu
coração afundou-se um pouco quando desci no dia seguinte e vi que o gato havia
voltado àquela mesma posição. Agora, ele estava um pouco mais
fragilizado e desgrenhado do que antes. Parecia estar com frio e fome e tremia
um pouco. Ainda aqui, então, disse, acariciando-o. Não parece tão bem hoje. Decidi
que aquela situação havia perdurado o bastante. Então, bati na porta do
apartamento. Senti que precisava dizer alguma coisa. Aquilo não era jeito de tratar
um animal de estimação. Ele precisava de algo para comer e beber, e talvez até
mesmo de cuidados médicos. Um homem apareceu à porta. Estava com a barba por fazer,
vestindo camiseta e um par de calças esportivas, e parecia ter acabado de
acordar, ainda que já estivéssemos no meio da tarde.
Desculpe
incomodá-lo, companheiro. Este gato é seu?, perguntei a ele. Por um segundo,
ele me fitou como se eu fosse um pouco louco. Que gato?, questionou, antes de
olhar para baixo e ver o laranjinha enrolado como uma bola no capacho. Ah. Não,
disse ele, ao mesmo tempo que encolheu os ombros, desinteressado. Ele não tem
nada a ver comigo, companheiro. Ele está aqui há dias, retruquei, novamente provocando
um olhar vago nele. Está? Deve ter sentido cheiro de comida ou algo assim. Bom,
como eu disse, ele não tem nada a ver comigo. E então bateu a porta,
fechando-a. Decidi-me imediatamente. Ok, companheiro, você vem comigo, disse, caçando
em minha mochila a caixa de biscoitos que carregava especificamente para dar
guloseimas aos gatos e cães que sempre se aproximavam de mim quando estava fazendo
apresentações de rua». In James Bowen, Um Gato de Rua Chamado Bob,
2012, Editora Novo Conceito, cdd 636-70929, 2013, ISBN 978-858-163-152-3 ou ISBN
978-858-163-291-9.
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