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1º de Março de 1476
«Desde
que, há um ano, li o notável livro do Académico Madrileno, A. Sanches Moguel: Reparaciones
históricas, impresso em Madrid em 1894, me ficaram desejos de revisitar os conhecimentos que eu tinha, havia
muito, acerca da Batalha
de Toro, ou de Zamora, pois que o livro a isso me convidava nesta
afirmativa: Toro es, en efecto, el desquite de Aljubarrota, que se lê a
páginas 292.
Primeiramente: para que Toro seja desquite (desforra) de Aljubarrota, importa estudar
as circunstâncias, os pormenores dos dois combates. Em poucas palavras direi o
que se colhe dos livros, tanto portugueses como castelhanos. Ambas as batalhas
se feriram em campina plana, ou levemente ondulada. Combateram em Aljubarrota
30 000 castelhanos contra 10 000 portugueses, números redondos. O rei de
Portugal batalhou a pé, como qualquer cavaleiro; os castelhanos traziam
cavalaria, que os portugueses não tinham; traziam a rudimentar artilharia, os trons; logo: tinham por si o número, três vezes
maior, artilharia e cavalaria. Ninguém contesta a derrota total, formalíssima
dos castelhanos em menos de meia hora!
Em Toro, ou Zamora, empenharam-se forças que não se
estudaram ainda bem; uns dão maior número aos castelhanos (o que é natural)
outros lhe concedem forças iguais ou quase iguais. O rei de Castela não
combateu na batalha de Toro; colocou-se a uma légua de distância (certamente
lembrando Aljubarrota) e desatou a fugir mal viu volver costas a seis alas do
seu exército, ante as forças esforçadas do filho do monarca Afonso V; os
portugueses levavam artilharia; o combate prolongou-se por três horas, com
muita valentia de parte a parte; Afonso V não venceu; mas venceu o filho; logo,
a Batalha de Toro não foi a desforra da de Aljubarrota, porque para o
ser, forçoso seria haver igualdade nos elementos constitutivos dos dois
exércitos.
Para uma cousa ser antítese de outra preciso é que
o seja em todas as suas particularidades. A Batalha de Toro foi ganha pelas
forças de Castela contra as de Afonso V, por uma dessas eventualidades da
guerra, que nem seus cabos explicam, muitas vezes, e a que as crenças
religiosas chamam: a influência do Deus das vitórias. Não nego que o mesmo se
possa dizer da de Aljubarrota; possível seria que S. Jorge vencesse nela a
Sant'Iago. Mas a batalha de Toro foi ganha pelas forças do príncipe João de
Portugal e do bispo de Évora, Garcia Menezes, contra as seis alas do exército
de Castela, que fugiram acossadas e desfeitas.
Em Aljubarrota não ficara um castelhano no campo,
que não fosse ou morto, ou prisioneiro. Em Zamora ficou senhor do campo em que
se colocara depois da luta com os seus vencedores, o príncipe João de Portugal.
Será, pois, isto um desquite de
Aljubarrota? Entendo que não.
Se escreverem que o fora por ter posto fim à guerra
desgraçada do ambicioso africano, entendo que sim. Mas, não basta esta
síntese de leitura feita, que tem ares dogmáticos: preciso é o mostrar como
tantos portugueses, como castelhanos, como franceses, como alemães criticaram o
combate de Toro. Começarei pelos de casa, como é natural. E porém
o Príncipe despois do desbarato que fez, ali onde acabou de recolher sua jente,
esteve no campo em hum corpo çarrado sem nunca mover atrás sua bandeira...
(Ruy de Pina: Crónica de D. Affonso V cap. 191).
El Príncipe al tiempo del fracaso padecido de su
Padre iva seguindo el alcance de las seis alas ia rotas, pero quando entendió
lo que pasava (a derrota do pae) aun que non pudo revocar a todos de la
corriente que levavam apiñose con los que pudo i otros que de otra parte de su
Padre vencida se le acercaron, en una elevacion...
Fué
vencida esta parte; (a de Afonso) confesamoslo; sin que lo doremos. Pero el
huir una del campo i quedar otra vitoriosa en el varrido de los contrarios,
digan los doctos en los estudios militares que nombre há de tener, mientras io
que no los professo no sé como le hé de lamar, pues halo quien no quiere que le
lamemos vitoria...
(Faria e Souza: Europa Port. 2º pag. 407)
...a nosso Senhor aprouve que nos deixassem o
campo, adonde com gloriosa vitória permanecemos vencedores...
(Carta de João II fazendo mercê a Lourenço Faria, seu alferes. Torre do Tombo,
L.º 2º da Extremadura, pag. 274)
Porém
depois, tocado de ambição
e
glória de mandar, amara e bela,
vai
cometer Fernando de Aragão,
sobre
o potente reino de Castela.
Ajunta-se
a inimiga multidão
das
soberbas e várias gentes dela,
desde
Cadix ao alto Pireneu,
que
tudo ao rei Fernando obedeceu.
o mancebo Joanne; e logo ordena
de ir ajudar ao pai ambicioso,
que então lhe foi ajuda não pequena.
Saiu-se
enfim do trance perigoso
com
fronte não turvada, mas serena,
desbaratado
o pai sanguinolento;
mas
ficou duvidoso o vencimento;
porque
o filho sublime e soberano,
gentil,
forte, animoso cavaleiro,
nos
contrários fazendo imenso dano
todo
um dia ficou no campo inteiro
(Camões:
Lusíadas C. IV est. 77-78 e 79).
… em
que cada um dos exércitos ficou meio vencedor, meio vencido…
O
Principe João depois de seguir & de perseguir por largo espaço aos que vencera,
& lhe fugião, voltando a soccorer seu pay, e achando-o vencido, se manteve
no campo, senhor d'elle, como vencedor… (F. de S. Maria: Anno Historico, tom. 1º pag. 278).
In António
Francisco Barata, A Batalha de Toro, 1896, Projecto Livro Livre, 661, 2015
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