Cortesia
de wikipedia e jdact
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Sentindo-se nervosa e ligeiramente culpada, Alice
enrola a fivela num lenço e a enfia no bolso, em seguida avança com cautela. A
luz da chama é fraca, mas ilumina o caminho imediatamente à sua frente,
lançando sombras sobre as paredes cinza e ásperas. À medida que avança mais,
ela vai sentindo o ar frio se enroscar pelas suas pernas e braços nus como um
gato. Está caminhando sobre uma rampa. Pode sentir o chão descendo sob seus
pés, irregular e arenoso. O atrito das pedras e do cascalho ressoa alto naquele
espaço confinado, silencioso. Ela tem consciência de que, quanto mais longe e
mais fundo avança, mais a luz do dia vai ficando pálida atrás de si. De
repente, ela não quer continuar. Não sente nenhuma vontade de estar ali. Mas é
como se houvesse algo irresistível naquilo, algo a puxá-la para as entranhas
profundas da montanha.
Dez metros mais adiante, o túnel termina. Alice vê-se na
soleira de uma câmara fechada como uma caverna. Ela está em pé sobre uma
plataforma de pedra natural. Um ou dois degraus rasos e largos bem na sua
frente levam à área principal onde o chão
foi nivelado até ficar plano e liso. A caverna tem cerca de dez metros de
comprimento e talvez cinco de largura, e foi obviamente construída por mãos
humanas, e não só pela natureza. O tecto é baixo e abobadado, como o de uma
cripta.
Alice olha fixamente, segurando mais alto a chama
tremeluzente e incomodada por uma curiosa familiaridade que a vai dominando e
que ela não consegue explicar. Está prestes a descer os degraus quando percebe
letras gravadas na pedra do degrau de cima. Inclina-se e tenta ler o que está
escrito. Apenas as três primeiras palavras e a última letra, N, ou talvez H,
estão legíveis. As outras estão carcomidas ou lascadas. Alice limpa a poeira
com os dedos e recita as letras em voz alta. Naquele silêncio, o eco de sua voz
parece de certa forma hostil e ameaçador. P-A-S A P-A-S... Pas a pas. Passo a
passo? Passo a passo o quê? Uma vaga lembrança percorre a superfície de sua
mente consciente, como uma canção há muito esquecida. E logo desaparece. Pas a
pas, murmura ela dessa vez, mas aquilo não significa nada. Uma prece? Um aviso?
Sem saber o que vem depois, não faz sentido.
Agora nervosa, ela endireita-se e desce os degraus um a um.
Curiosidade e um mau pressentimento brigam no seu íntimo, e ela sente a pele
dos braços finos e descobertos arrepiarem-se, embora não saiba se é por
ansiedade ou por causa do frio da caverna. Alice levanta a chama bem alto para
iluminar o caminho, tomando cuidado para não tropeçar nem tirar nada do lugar.
No nível inferior, pára. Respira fundo e dá mais um passo rumo à escuridão de
ébano. Mal consegue distinguir a parede da câmara. Aquela distância, é difícil
ter certeza se não se trata apenas de uma ilusão criada pela luz ou de uma
sombra lançada pela chama, mas parece haver um desenho circular de linhas e
semicírculos pintados ou esculpidos na pedra. No chão em frente ao desenho está
uma mesa de pedra de pouco mais de um metro de altura, como um altar.
Mantendo o olhar fixo no símbolo na parede para se guiar,
Alice avança mais. Agora pode ver o desenho com mais clareza. Parece algum tipo
de labirinto, embora a sua memória lhe
diga que há algo errado com ele. Não é um labirinto de verdade. As linhas não
conduzem ao centro como deveriam. O desenho está errado. Alice não consegue
explicar por que tem tanta certeza disso, só sabe que está certa. Mantendo os
olhos cravados no labirinto, vai chegando cada vez mais perto. O seu pé bate em
algo duro no chão. Ouvem-se um baque leve e oco e o barulho de algo rolando,
como se um objecto houvesse sido deslocado. Alice olha para baixo.
As suas pernas ficam bambas. A pálida chama na sua mão estremece.
Chocada, ela não consegue respirar. Está de pé na beira de uma cova rasa. Uma
leve depressão no solo, não mais do que isso. Nela há dois esqueletos do que um
dia foram seres humanos, os ossos totalmente limpos pelo tempo. Os buracos
vazios dos olhos de um dos crânios a encaram. O outro crânio, deslocado por seu
pé, está virado de lado como alguém que desvia o olhar. Os corpos estão
dispostos um ao lado do outro, de frente para o altar, como estátuas numa
tumba. Estão simétricos e perfeitamente alinhados, mas não há nada de plácido
naquele túmulo. Nenhuma sensação de paz. Os ossos malares de um dos crânios estão esmagados, amassados para
dentro como uma máscara de papier maché. Várias costelas do outro
esqueleto estão partidas e apontam para fora de modo estranho, como os galhos
secos de uma árvore morta». In Kate Mosse, O Labirinto Perdido, Labyrinth, 2005, Publicações dom Quixote, 2006,
ISBN 978-972-202-969-8.
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