quinta-feira, 1 de junho de 2017

As Cidades Invisíveis. Italo Calvino. «E nem pensem em dizer-lhes que por vezes se sucedem cidades diferentes sobre o mesmo chão e sob o mesmo nome, nascem e morrem»

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«(…) Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade e ao mesmo tempo a observar certos velhos postais ilustrados que a representam como era dantes: a mesma idêntica praça com uma galinha no lugar da estação dos autocarros, o coreto da música no lugar do viaduto, duas meninas de sombrinha branca no lugar da fábrica de explosivos. Para não desiludir os habitantes o viajante tem de gabar a cidade nos postais e preferi-la à presente, com o cuidado porém de conter o seu desgosto pelas mudanças dentro de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificência e prosperidade de Maurília transformada em metrópole, se comparadas com a velha Maurília provinciana, não compensam uma certa graça perdida, a qual contudo só poderá ser gozada agora nos velhos postais, enquanto outrora, com a Maurília provinciana debaixo dos olhos, de gracioso não se via mesmo nada, e igualmente não se veria hoje se Maurília tivesse permanecido tal e qual, e que no entanto a metrópole tem mais esta atracção, que através do que se tornou se pode repensar com nostalgia no que era.

E nem pensem em dizer-lhes que por vezes se sucedem cidades diferentes sobre o mesmo chão e sob o mesmo nome, nascem e morrem sem se terem conhecido, incomunicáveis entre si. Às vezes até os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os delineamentos dos rostos; mas os deuses que habitam debaixo dos nomes e sobre os locais partiram sem dizer nada a ninguém e no seu lugar aninharam-se deuses estranhos. É inútil interrogarmo-nos se estes são melhores ou piores do que os antigos, dado que não existe entre eles nenhuma relação, tal como os velhos postais não representam Maurília como era mas sim outra cidade que por acaso se chamava Maurília como esta». In Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, 1990, Editorial Teorema, Lisboa, 2003, Leya, Publicações don Quixote, 2015, ISBN 978-972-206-037-0.

Cortesia de ETeorema/JDACT