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Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade e ao mesmo tempo a observar
certos velhos postais ilustrados que a representam como era dantes: a mesma idêntica
praça com uma galinha no lugar da estação dos autocarros, o coreto da música no
lugar do viaduto, duas meninas de sombrinha branca no lugar da fábrica de explosivos.
Para não desiludir os habitantes o viajante tem de gabar a cidade nos postais e
preferi-la à presente, com o cuidado porém de conter o seu desgosto pelas mudanças
dentro de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificência e prosperidade de
Maurília transformada em metrópole, se comparadas com a velha Maurília provinciana,
não compensam uma certa graça perdida, a qual contudo só poderá ser gozada
agora nos velhos postais, enquanto outrora, com a Maurília provinciana debaixo dos
olhos, de gracioso não se via mesmo nada, e igualmente não se veria hoje se Maurília
tivesse permanecido tal e qual, e que no entanto a metrópole tem mais esta atracção,
que através do que se tornou se pode repensar com nostalgia no que era.
E nem
pensem em dizer-lhes que por vezes se sucedem cidades diferentes sobre o mesmo
chão e sob o mesmo nome, nascem e morrem sem se terem conhecido, incomunicáveis
entre si. Às vezes até os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das
vozes, e até mesmo os delineamentos dos rostos; mas os deuses que habitam debaixo
dos nomes e sobre os locais partiram sem dizer nada a ninguém e no seu lugar aninharam-se
deuses estranhos. É inútil interrogarmo-nos se estes são melhores ou piores do que
os antigos, dado que não existe entre eles nenhuma relação, tal como os velhos postais
não representam Maurília como era mas sim outra cidade que por acaso se chamava
Maurília como esta». In Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, 1990,
Editorial Teorema, Lisboa, 2003, Leya, Publicações don Quixote, 2015, ISBN
978-972-206-037-0.
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