Cortesia de wikipedia e jdact
Como construir um universo
«Por mais que se
esforce, jamais conseguirá captar o quão minúsculo, quão espacialmente modesto
é um prótão. Um prótão é uma parte infinitesimal de um átomo, que por sua vez é
uma coisa insubstancial. Os prótões são tão pequenos que um tiquinho de tinta,
como o pingo neste i, pode
conter algo em torno de 500 bilhões deles, mais do que o número de segundos
contidos em meio bilhão de anos. Portanto, os prótões são exageradamente microscópicos,
para dizer o mínimo. Agora imagine que você possa (claro que isto é pura imaginação)
encolher um desses protões até um bilionésimo do seu tamanho normal, num espaço
tão pequeno que, em comparação, um prótão pareceria enorme. Agora compacte
nesse espaço minúsculo uns trinta gramas de matéria. Óptimo. Está pronto para
iniciar um universo. Estou pressupondo eu e vós que deseja um universo
inflacionário. Se preferir construir um universo mais convencional, do tipo big-bang comum, precisará
de materiais adicionais. Na verdade terá que reunir tudo o que existe, cada
partícula de matéria daqui até ao limite do universo, e comprimir num ponto tão
infinitesimalmente compacto que não terá nenhuma dimensão. Trata-se de uma
singularidade.
Em ambos os casos, prepara-se
para um verdadeiro big-bang.
Naturalmente, vai querer retirar-se para um local seguro a fim de contemplar o
espectáculo. Infelizmente, não há local para onde se retirar, porque fora da
singularidade não existe local.
Quando o universo começar a expandir-se, não estará espalhando-se para
preencher um vazio maior. O único espaço que existe é o espaço que ele cria ao expandir-se.
É natural, mas errado, visualizar a singularidade como uma espécie de ponto
grávido solto num vácuo escuro e ilimitado. Não há espaço, nem escuridão. A
singularidade não tem nada ao seu redor. Não há espaço para ela ocupar, nem
lugar para ela estar. Nem sequer podemos perguntar há quanto tempo ela está ali,
se acabou de surgir, como uma boa ideia, ou se estava ali eternamente, aguardando
com calma o momento certo. O tempo não existe. Não há passado do qual ela possa
emergir. E assim, do nada, o nosso universo começa.
Numa única pulsação ofuscante, um
momento de glória por demais rápido e expansivo para ser descrito em palavras,
a singularidade assume dimensões celestiais, um espaço inconcebível. No primeiro
segundo dinâmico (um segundo ao qual muitos cosmologistas dedicarão as suas
carreiras tentando descrevê-los em detalhes crescentes) são produzidas a
gravidade e outras forças que governam a física. Em menos de um minuto, o
universo possui 1,6 milhão de bilhões de quilómetros de diâmetro e cresce a
grande velocidade. Existe muito calor agora, 10 bilhões de graus, o suficiente
para iniciar as reacções nucleares que criam os elementos mais leves,
principalmente hidrogénio de hélio, com uma pitada (cerca de um átomo em 100
milhões) de lítio.
Em três minutos, 98% de toda a matéria
existente ou que virá a existir foi produzida. Temos um universo. É um lugar da
mais espantosa e gratificante possibilidade, e bonito também. E foi tudo produzido
mais ou menos no tempo que se leva para preparar uma sandes. Quando ocorreu
esse momento é objecto de discussão. Os cosmologistas há bastante tempo vêm
discutindo se o momento da criação foi há 10 bilhões de anos, duas vezes essa
cifra, ou um valor intermediário. O consenso parece estar-se formando em torno
de uns 13,7 bilhões de anos, mas essas coisas são notoriamente difíceis de
medir. Tudo o que se pode realmente dizer é que, em certo ponto indeterminado
num passado bem remoto, por razões desconhecidas, surgiu o momento conhecido na
ciência como t = 0.4 Estávamos a caminho. Claro que existe muita
coisa que não sabemos, e muito do que julgamos saber são descobertas recentes,
inclusive a noção do big-bang.
A ideia vinha pipocando desde a década de 1920, quando foi originalmente
proposta por Georges Lemître, um sacerdote e sábio belga, mas só se tornou uma noção
activa na cosmologia em meados da década de 1960, quando dois jovens
radio-astrónomos fizeram uma descoberta extraordinária e involuntária. Seus
nomes eram Arno Penzias e Robert Wilson. Em 1965, eles estavam tentando usar
uma grande antena de comunicações de propriedade da Bell Laboratories, em
Holmdel, Nova Jersey, mas foram incomodados por um ruído de fundo persistente,
um zumbido constante e agitado que impossibilitava qualquer trabalho
experimental. O ruído era incessante e disperso. Vinha de todos os pontos do
céu, dia e noite, em todas as estações do ano. Durante um ano, os jovens astrónomos
fizeram tudo que lhes ocorreu para localizar e eliminá-lo. Testaram todos os
sistemas eléctricos.
Remontaram instrumentos, verificaram
circuitos, sacudiram fios, removeram a poeira de plugues. Subiram até à
antena e colocaram fita adesiva em cada junção e rebite. Voltaram a subir à
antena, com vassouras e escovilhões, e removeram cuidadosamente o que
descreveram num artigo posterior como material dieléctrico branco, ou o que se
conhece mais comumente como cocó de pássaro. Nada funcionou. Sem que eles soubessem,
a menos de cinquenta quilómetros de distância, na Universidade de Princenton,
uma equipa de cientistas, liderada por Robert Dicke, vinha tentando descobrir exactamente
aquilo que eles, com diligência procuravam livrar-se. Os cientistas de
Princenton perseguiam uma ideia que havia sido sugerida, na década de 1940,
pelo astrofísico nascido na Rússia, George Gamow. Segundo Gamow, se alguém
perscrutasse o espaço a uma profundidade suficiente, encontraria alguma
radiação cósmica de fundo remanescente do big-bang. Gamow calculou que, depois
de atravessar a vastidão do cosmo, a radiação alcançaria a Terra em forma de microondas.
Num artigo mais recente, ele chegou a sugerir um instrumento capaz de
detectá-las: a antena de Bell em Holmdel. Infelizmente, nem Penzias, nem
Wilson, nem ninguém da equipa de Princenton havia lido o artigo de Gamow». In Bill Bryson, Breve História de Quase
Tudo, 2003, Bertrand
Editora, 2009, ISBN
978-972-251-920-5.
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