sexta-feira, 9 de junho de 2017

O Cerco de Campo Maior em 1801. António Ventura. «Cumpria também acautelar outro inconveniente da mesma natureza, ainda que menos prejudicial, existente no fosso da tenalha, que formam os baluartes do Cavaleiro e Santa Cruz»

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Memória sobre a praça de Campo Maior com o jornal do sítio que principiou em 20de Maio de 1801 e terminou em 6 de Junho do mesmo ano (escrita por um oficial da guarnição)
«(…) Da mesma sorte se havia adoptado, sobre uma das cortinas fronteiras à porta de Santa Maria, o Forte denominado do Cachimbo, de que já se não descobriam alguns vestígios, existiam tão-somente duas pequenas lunetas, a primeira na estrada coberta em frente ao baluarte do curral dos Coelhos, que ainda conservava a denominação de Forte de Schomberg, destinada a defender a encosta de um monte, em cuja raiz se via situada uma pequena quinta, e a segunda no fosso do revelim da sobredita porta, a que davam o nome de Barrete de Mr. Parquer, a qual servia de cobrir aquela entrada, porém ao mesmo tempo mascarava o fogo do flanco que deveria lavar a face do dito revelim. Seria prolixa a numeração de outras muitas desvantagens que por toda a parte se descobriam assim no exterior como no recinto magistral desta Fortificação; pode dizer-se com imparcialidade, que os defeitos da sua primeira edificação, e os de algumas obras que depois se lhe adicionaram pareciam projectos daqueles mesmos que pelo tempo adiante a poderiam vir sitiar.
Tal era o estado de uma Praça que, pela sua posição relativa, deveria ter merecido mais algum cuidado no seu entretenimento; pois quando pela natureza do seu local, se não julgasse digna de uma completa instauração ainda os socorros da Arte lhe poderiam remediar muitos inconvenientes e aumentar consideravelmente a sua resistência: este foi o objecto que se pretendeu desempenhar na sua reparação. Como a urgência das nossas circunstâncias não permitia grandes meios para este fim era bastante difícil, entre tantas correcções que se propunham fazer, determinar o começo daqueles trabalhos: contudo alguns objectos que diziam respeito à saúde da guarnição não deixavam duvidosa a sua preferência, portanto se principiou por evacuar um grande charco, que existia no fosso da cortina entre os baluartes de S. Francisco e Santa Rosa, procedido da destruição de um cano antigo, por onde escorriam para a campanha as águas inúteis do interior da Vila, e se construiu oportunamente um novo aqueduto, a fim de evitar para o futuro a renovação deste depósito de vapores pútridos.
Cumpria também acautelar outro inconveniente da mesma natureza, ainda que menos prejudicial, existente no fosso da tenalha, que formam os baluartes do Cavaleiro e Santa Cruz (estes traveses quando principiaram as obras foram provisionalmente construídos de terra, e faxinas; depois se lhe fez um revestimento de alvenaria, para assegurar a sua duração; o qual na ocasião do sítio, deveria ser novamente revestido das mesmas faxinas, para amortecer a reflexão das balas, e não produzir estilhaços; porém o tempo, e os meios não deixaram praticar esta cautela: os estragos que sofreram, assaz comprovam a sua necessidade, pois visivelmente se conheceu que eles tinham evitado maiores danos em todas as obras em que foram colocados). Tal era o denominado lago, tão celebrado sem motivo pelos habitantes do lugar que de Inverno recebia as águas de dois pequenos ribeiros, cujas sobras trasbordavam por cima de um dique, que atravessava o fosso na direcção da Capital do segundo baluarte; e no Verão amortecendo a corrente, e diminuindo consideravelmente a sua profundidade, restava por muito tempo em perfeita estagnação. Esta porção de fosso aquático, havendo tão-somente alguma vantagem defronte de uma das faces do referido baluarte, conservava entre todos os defeitos que lhe são inerentes, o de ser bastante nocivo aos moradores daquele distrito: a sua evacuação extinguiu a causa deste prejuízo, como ainda hoje o pode atestar o Médico daquela Vila. Entretanto se cuidou em dar as convenientes dimensões ao parapeito das cortinas, pondo a coberto esta necessária comunicação dos baluartes; rebaixou-se o terrapleno em muitas tenalhas, alteou-se em outras, revestiram-se de alvenaria as golas dos baluartes de Santa Cruz, Cavaleiro, e Fonte do Conselho, e as cortinas do Príncipe, S. Sebastião, e porta de Santa Maria; foram completamente instaurados os baluartes da Boa Vista (este baluarte se chamou primitivamente de S. João Baptista; os moradores da Vila lhe davam o nome de baluarte do Cavaleiro ainda que dentro dele se não descobria algum vestígio de uma semelhante obra, porém julgamos, que por estar mais elevado, ou a cavaleiro da Cortina imediata, se lhe deu esta denominação; a qual presentemente lhe compete, pela obra incompleta levantada no seu interior), e Curral dos Coelhos, cujo âmbito se tornou muito mais amplo e menos condenado, formaram-se assim no interior de alguns baluartes como no reparo das cortinas traveses permanentes, (para evitar o inconveniente dos revestimentos de alvenaria nas arestas dos parapeitos, que sendo batidos pela artilharia inimiga produzem prejuízo dos estilhaços; se terminou por toda a parte a sua altura por uma grossa fiada de formigão. Esta matéria muito própria para se adoptar nas obras de fortificações, porque nela não entra a pedra, se forma pela combinação da cal e saibro, ou areia, na razão de um para três, cujos géneros depois de misturados e humedecidos, se batem a maço entre taipais, colocados no lugar em que se pretende levantar o muro: de que resulta um massame tão compacto, que depois de enxuto custa muito a destruir a bico de picareta), para desenfiar estas obras, e se construiu com o mesmo fim um cavaleiro no baluarte desta denominação; cujo revestimento ficou levantado até ao seu cordão e enquanto não ministrava uma segunda ordem de fogo se podia reputar por uma antecipada cortadura: foi necessário elevar por toda a parte o antigo parapeito da linha magistral adicionando-lhe as correspondentes banquetas, e rectificar os muros que interior e exteriormente o revestiam: sem a presença destes trabalhos, não pode fazer-se ideia da grande massa de terra removida, a fim de preencher os novos merloens, banquetas e traveses e tornar cheios os baluartes vazios, quais eram o da Fonte do Conselho e Santa Cruz». In António Ventura, O Cerco de Campo Maior em 1801, Edições Colibri, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, 2001, ISBN 972-772-270-9.

Cortesia de EColibri/JDACT