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Memória sobre a praça de Campo Maior com o jornal do sítio que principiou em 20de Maio de 1801 e terminou em 6 de Junho do mesmo ano (escrita por um oficial da guarnição)
«(…) Da mesma sorte se havia
adoptado, sobre uma das cortinas fronteiras à porta de Santa Maria, o Forte
denominado do Cachimbo, de que já se não descobriam alguns vestígios, existiam
tão-somente duas pequenas lunetas, a primeira na estrada coberta em frente ao baluarte
do curral dos Coelhos, que ainda conservava a denominação de Forte de
Schomberg, destinada a defender a encosta de um monte, em cuja raiz se via
situada uma pequena quinta, e a segunda no fosso do revelim da sobredita porta,
a que davam o nome de Barrete de Mr. Parquer, a qual servia de cobrir aquela
entrada, porém ao mesmo tempo mascarava o fogo do flanco que deveria lavar a
face do dito revelim. Seria prolixa a numeração de outras muitas desvantagens
que por toda a parte se descobriam assim no exterior como no recinto magistral desta
Fortificação; pode dizer-se com imparcialidade, que os defeitos da sua primeira
edificação, e os de algumas obras que depois se lhe adicionaram pareciam
projectos daqueles mesmos que pelo tempo adiante a poderiam vir sitiar.
Tal era o estado de uma Praça
que, pela sua posição relativa, deveria ter merecido mais algum cuidado no seu
entretenimento; pois quando pela natureza do seu local, se não julgasse digna
de uma completa instauração ainda os socorros da Arte lhe poderiam remediar
muitos inconvenientes e aumentar consideravelmente a sua resistência: este foi
o objecto que se pretendeu desempenhar na sua reparação. Como a urgência das
nossas circunstâncias não permitia grandes meios para este fim era bastante
difícil, entre tantas correcções que se propunham fazer, determinar o começo
daqueles trabalhos: contudo alguns objectos que diziam respeito à saúde da
guarnição não deixavam duvidosa a sua preferência, portanto se principiou por
evacuar um grande charco, que existia no fosso da cortina entre os baluartes de
S. Francisco e Santa Rosa, procedido da destruição de um cano antigo, por onde
escorriam para a campanha as águas inúteis do interior da Vila, e se construiu oportunamente
um novo aqueduto, a fim de evitar para o futuro a renovação deste depósito de
vapores pútridos.
Cumpria também acautelar outro
inconveniente da mesma natureza, ainda que menos prejudicial, existente no
fosso da tenalha, que formam os baluartes do Cavaleiro e Santa Cruz (estes
traveses quando principiaram as obras foram provisionalmente construídos de terra,
e faxinas; depois se lhe fez um revestimento de alvenaria, para assegurar a sua
duração; o qual na ocasião do sítio, deveria ser novamente revestido das mesmas
faxinas, para amortecer a reflexão das balas, e não produzir estilhaços; porém
o tempo, e os meios não deixaram praticar esta cautela: os estragos que
sofreram, assaz comprovam a sua necessidade, pois visivelmente se conheceu que
eles tinham evitado maiores danos em todas as obras em que foram colocados).
Tal era o denominado lago, tão celebrado sem motivo pelos habitantes do lugar
que de Inverno recebia as águas de dois pequenos ribeiros, cujas sobras
trasbordavam por cima de um dique, que atravessava o fosso na direcção da
Capital do segundo baluarte; e no Verão amortecendo a corrente, e diminuindo
consideravelmente a sua profundidade, restava por muito tempo em perfeita
estagnação. Esta porção de fosso aquático, havendo tão-somente alguma vantagem defronte
de uma das faces do referido baluarte, conservava entre todos os defeitos que
lhe são inerentes, o de ser bastante nocivo aos moradores daquele distrito: a
sua evacuação extinguiu a causa deste prejuízo, como ainda hoje o pode atestar
o Médico daquela Vila. Entretanto se cuidou em dar as convenientes dimensões ao
parapeito das cortinas, pondo a coberto esta necessária comunicação dos
baluartes; rebaixou-se o terrapleno em muitas tenalhas, alteou-se em outras,
revestiram-se de alvenaria as golas dos baluartes de Santa Cruz, Cavaleiro, e Fonte
do Conselho, e as cortinas do Príncipe, S. Sebastião, e porta de Santa Maria;
foram completamente instaurados os baluartes da Boa Vista (este baluarte se
chamou primitivamente de S. João Baptista; os moradores da Vila lhe davam o
nome de baluarte do Cavaleiro ainda que dentro dele se não descobria algum vestígio
de uma semelhante obra, porém julgamos, que por estar mais elevado, ou a cavaleiro
da Cortina imediata, se lhe deu esta denominação; a qual presentemente lhe compete,
pela obra incompleta levantada no seu interior), e Curral dos Coelhos, cujo
âmbito se tornou muito mais amplo e menos condenado, formaram-se assim no
interior de alguns baluartes como no reparo das cortinas traveses permanentes, (para
evitar o inconveniente dos revestimentos de alvenaria nas arestas dos
parapeitos, que sendo batidos pela artilharia inimiga produzem prejuízo dos
estilhaços; se terminou por toda a parte a sua altura por uma grossa fiada de
formigão. Esta matéria muito própria para se adoptar nas obras de
fortificações, porque nela não entra a pedra, se forma pela combinação da cal e
saibro, ou areia, na razão de um para três, cujos géneros depois de misturados
e humedecidos, se batem a maço entre taipais, colocados no lugar em que se
pretende levantar o muro: de que resulta um massame tão compacto, que depois de
enxuto custa muito a destruir a bico de picareta), para desenfiar estas obras,
e se construiu com o mesmo fim um cavaleiro no baluarte desta denominação; cujo
revestimento ficou levantado até ao seu cordão e enquanto não ministrava uma
segunda ordem de fogo se podia reputar por uma antecipada cortadura: foi
necessário elevar por toda a parte o antigo parapeito da linha magistral
adicionando-lhe as correspondentes banquetas, e rectificar os muros que
interior e exteriormente o revestiam: sem a presença destes trabalhos, não pode
fazer-se ideia da grande massa de terra removida, a fim de preencher os novos
merloens, banquetas e traveses e tornar cheios os baluartes vazios, quais eram
o da Fonte do Conselho e Santa Cruz». In António Ventura, O Cerco de Campo Maior
em 1801, Edições Colibri, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, 2001, ISBN
972-772-270-9.
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