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No Gharb dos Árabes
«(…) Sob os Omíadas de Córdova
(756 - 1031), a Lusitânia, ou antes, a província chamada al-Gharb, O Ocidente,
nome que sobreviveu em Algarve, permanecia uma região periférica. Não possuímos
informações concretas sobre a vida judaica nessa província, com excepção das relativas
à cidade de Mérida. José ben Isaac Ibn Abitur, talmudista e poeta nascido em Mérida
no início do século X, sabia ainda que o seu trisavô administrara a justiça
criminal com tanta severidade que os malfeitores lhe chamavam Satanás, pois podia
infligir todas as quatro formas talmúdicas de execução capital, competência que
nenhum tribunal judaico alguma vez tivera fora da Terra de Israel. Além disso,
uma pedra tumular descoberta em Mérida dá a conhecer um certo Rabbi Jacob ben Senior,
que morreu com a idade de 63 anos, cheio de sabedoria, exercendo a arte dos
médicos. A inscrição, datada da época omíada, emprega ainda um latim hispanizado.
As marcas bíblicas, diferentes da
Vulgata, dão testemunho de uma cultura religiosa judaica em língua romana. Como
os seus correligionários de Córdova, capital do califado, os judeus do Gharb
permaneceram leais ao poder omíada durante as diferentes revoltas animadas por cristãos,
muladis (hispano-romanos islamizados) e certos elementos do clero muçulmano.
Tida por principal foco de sedição, Mérida foi duramente castigada em 875, e os
seus habitantes foram expulsos, alguns para Badajoz, nova capital provincial, e
outros para Córdova. É de supor que essa expulsão tenha estado igualmente na origem
de uma dispersão pela província. A existência de pequenas comunidades no actual
território português parece ser atestada por Ibn Daud. Falando de uma família erudita
de Mérida, os Ibn al-Balia, descendentes do lendário fundador Baruch, esse autor
faz alusão a uma epístola redigida em Sura, no Iraque, pela autoridade rabínica
suprema da época, Saadia Gaon (882-942). Era endereçada às comunidades judaicas
de Córdova, Elvira, Lucena, Baena, Osuna, Sevilha e à grande cidade de Mérida, bem
como a todas as que estão na sua vizinhança. Vemos que Mérida se singulariza nessa
enumeração pela sua dispersão em comunidades filiais.
Que comunidades eram essas? Encontramos
menção a uma presença judaica aquando da reconquista cristã das cidades de Coimbra
(878), Santarém (1147),Évora (1165) e Beja (1179). A mais antiga dessas comunidades
judaicas parece ser a de Santarém. Notemos que estas quatro cidades
luso-islâmicas habitadas por judeus são de fundação romana e estão todas situadas
no interior do país, na proximidade da fronteira com a Cristandade. Em
contrapartida, nenhuma fonte testemunha uma presença judaica em Lisboa durante
a época islâmica.
No reino de Leão
Foi muitas vezes celebrada a tolerância
dos regimes ibero-muçulmanos face às populações cristãs e judaicas. Essa tolerância
não era unicamente inspirada pela generosidade. Na realidade, a sobrevivência do
poder muçulmano dependia do apoio dessas populações, apoio que se encontrava já
bem hipotecado na segunda metade do século IX. A partir dessa época, as lutas
internas do califado de Córdova e o misticismo intransigente, que então se apoderou
dos seus teólogos, impeliram numerosos cristãos a emigrar. Nas Astúrias, estes reforçavam
os pequenos reinos que começavam a estender-se para sul. A emigração intensificava-se
com cada nova vaga islamita, culminando com a invasão dos Almóadas em 1140, que
proscreveram durante algum tempo o exercício dos cultos não muçulmanos.
Expostos a essa investida da
intolerância nos reinos muçulmanos, os judeus não sofriam menos a hostilidade dos
cristãos do Norte, animados por um espírito de cruzada igualmente feroz. Identificando
os judeus com o inimigo muçulmano, os cavaleiros massacravam-nos no decurso das
suas reconquistas». ». In Carsten L. Wilke, História dos Judeus
Portugueses, 2007, Edições 70, 2009, ISBN 978-972-441-578-9.
Cortesia de E70/JDACT