jdact
Aspectos
da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Constantinopla, como todas
as grandes capitais, era uma miscelânea de elementos heterogéneos: todas as
setenta e duas línguas conhecidas do homem estavam nela representadas, segundo
uma fonte contemporânea. Provincianos de todos os géneros tinham-se
estabelecido ali, ou iriam entrar e sair ao acaso de negócios comerciais ou
oficiais. A classe servil incluía muitos bárbaros. Outro elemento estranho era
o das unidades militares, as quais no século VI eram compostas ou por bárbaros (Alemães,
Hunos, e outros), ou por alguns dos provincianos mais robustos, tais como os
Isauros, os Ilírios e os Trácios. Diz-se que setecentos soldados foram
aquartelados em casas de famílias de Constantinopla no reinado de Justiniano.
Os monges sírios, mesopotâmios e egípcios, que falavam pouco, ou nem sequer
falavam, grego, dirigiram-se em massa para a capital, para usufruir da
protecção da imperatriz Teodora e impressionar os autóctones com as suas
proezas bizarras de ascetismo. Os judeus omnipresentes ganhavam a vida como
artesãos ou mercadores. Constantinopla fora fundada como um centro de
latinidade no Oriente e contava ainda com muitos Ilírios, Italianos e africanos
entre os seus residentes, cuja língua autóctone era o latim, também a língua do
próprio imperador Justiniano. Além disso, várias obras da literatura latina
eram produzidas em Constantinopla, como a famosa Gramática de Prisciano,
a Crónica de Marcelino e o panegírico de Justino II do africano
Corippus. Embora o latim fosse necessário para as profissões jurídicas e para
certos ramos da administração pública, a balança pendia inexoravelmente a favor
do grego. No final do século VI, como o papa Gregório, o Grande, afirma, não
era fácil encontrar um tradutor competente do latim para o grego na capital
imperial.
Em frente a Constantinopla
estendia-se uma enorme massa de terra pertencente à Ásia Menor, que havia sido
comparada a um pontão ligado à Ásia e a apontar para a Europa. As partes mais
desenvolvidas sempre foram as orlas costeiras, especialmente a face oeste
suavemente inclinada, favorecida por um clima temperado e guarnecida com
cidades famosas. A faixa costeira do mar Negro é muito mais estreita e
descontínua, enquanto a costa sul não tem, à excepção da planície de Panfília,
nenhuma orla de baixa altitude. As áreas costeiras, salvo a zona montanhosa
Cilícia (Isáuria), onde a cordilheira do Tauro se estende até ao mar, haviam
sido helenizadas durante cerca de mil anos, e ainda antes do reinado de Justiniano.
Ao longo da costa do mar Negro, o limite da língua grega correspondia à
fronteira actual entre a Turquia e a ex-União Soviética.
A este de Trebizonda e Rizaion
(Rize) viviam vários povos caucasianos, tais como os Ibéricos (Georgianos),
assim como os Laz e os Abasgos (Abcazes), sendo que os dois últimos mal se
aproximavam das missões cristãs. O Império também possuía uma base de operações
helenizada na costa sul da Crimeia, enquanto o alto planalto da península da
Crimeia era habitado por Godos. Muito diferente das áreas costeiras da Ásia
Menor é o alto planalto no interior do país, onde o clima é tempestuoso e a terra,
na sua maioria, imprópria para a agricultura. Na Antiguidade, como na Idade Média,
o planalto tinha uma população pouco densa e a vida urbana era relativamente pouco
desenvolvida. As cidades mais importantes situavam-se ao longo das principais estradas,
tal como a chamada Estrada Real que ia de Esmirna e Sardes, via Ancira e Cesareia,
até Metilene; a estrada que ligava Constantinopla a Ancira via Dorileia; e a estrada
a sul que se estendia de Éfeso a Laodiceia, Antioquia na Pisídia, Icónio, Tiana
e, através das Portas da Cilícia, até Tarso e Antioquia, na Síria. A composição
étnica do planalto não havia sofrido nenhuma alteração assinalável durante os setecentos
anos antes do reinado de Justiniano, consistindo num mosaico desconcertante de povos
autóctones, assim como em enclaves de imigrantes há muitos fixados, tais como os
Celtas da Galácia, os Judeus, que se haviam estabelecido na Frígia e em outras
partes durante o período helénico, e grupos persas de origem ainda mais antiga.
Parece que muitas das línguas indígenas ainda eram faladas no período bizantino
antigo: a língua da Frígia provavelmente ainda existiria, pois aparece nas inscrições
até ao século III d.C.; e o celta, por seu lado, seria falado na Galácia e na
Capadócia, mais a este. Os rebeldes isáuricos, que haviam sido pacificados pela
força das armas em 500 d.C., tendo muitos deles percorrido todo o Império como soldados
profissionais e pedreiros, eram um povo distinto, que falava o seu próprio dialecto,
muitas vezes excluindo o grego. No entanto, ao seu lado, na planície da Cilícia,
o grego havia-se enraizado solidamente, excepto, talvez, entre as tribos do
interior». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70,
2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT